quinta-feira, 23 de maio de 2013

Imprensa, privacidade, princesas e topless


(Artigo de Luiz Roberto Barroso, indicado por Dilma para ministro do Supremo Tribunal Federal, publicado  no blog de Ricardo Noblat em 08/06/2006).

A liberdade de expressão foi uma conquista histórica da sociedade brasileira, cujo processo de consolidação encontra-se ainda em curso. O direito de privacidade – espécie do gênero direitos da personalidade, que inclui também o direito à honra e à imagem – teve desenvolvimento histórico mais recente, mas é compreendido hoje em dia como uma emanação do princípio da dignidade humana.

A Constituição protege tanto a liberdade de expressão como o direito de privacidade. Não obstante isso, em uma sociedade democrática e de massas, a colisão entre esses dois direitos é freqüente e inevitável.

Alguns exemplos recentes desse conflito, no Brasil e no mundo. A princesa Caroline de Mônaco propôs uma ação na Alemanha procurando impedir que uma determinada revista de variedades divulgasse fotos e fatos da sua vida pessoal, mesmo quando se encontrasse em lugares públicos, como na praia ou no restaurante.

Um cidadão brasileiro outrora conhecido como Doca Street ingressou na justiça do Rio de Janeiro tentando vedar a exibição, por uma emissora de televisão, de programa que retrataria um crime pelo qual fora julgado e condenado, mas cuja pena já havia cumprido. Uma jovem que fez topless em uma praia de Santa Catarina requereu uma indenização contra o jornal que divulgou uma foto da cena, sob o fundamento de uso indevido de sua imagem.

Como deve a ordem jurídica lidar com tais situações? Sempre que dois direitos fundamentais entram em confronto, a técnica usual de equacionamento do problema é a ponderação de valores ou de interesses. É preciso verificar, à luz dos elementos do caso concreto, qual é a solução que mais adequadamente realiza a “vontade” da Constituição.

Tanto quanto possível, deve o Poder Judiciário procurar uma solução de equilíbrio, mediante concessões recíprocas entre os dois direitos, de modo a preservar a essência de cada um deles. Em certas situações, no entanto, a ponderação envolverá a escolha de um dos direitos, em detrimento do outro. A seguir, uma proposta de seis elementos a serem considerados na realização dessa ponderação, quando esteja em jogo o conflito entre liberdade de expressão e direito de privacidade.

O primeiro elemento a ser levado em conta é a veracidade do fato. Como princípio, o Judiciário não deverá impedir a divulgação de um fato que efetivamente ocorreu, sobretudo quando tenha ocorrido no espaço público. O segundo ponto a considerar é a licitude do meio pelo qual foi obtida a informação.

Se o conhecimento do fato resultou, por exemplo, de uma interceptação telefônica clandestina, de uma invasão de domicílio ou da violação de um segredo de justiça, deverá, como regra, prevalecer o direito de privacidade: o crime não deve compensar. Mas se não houve violação da lei na produção da notícia, inverte-se a regra: deve prevalecer a liberdade de expressão. 

Um outro aspecto relevante é o fato de a notícia referir-se a uma personalidade pública ou não. Em uma sociedade democrática, pessoas que ocupam cargos públicos têm menor grau de privacidade do que as demais, em razão da transparência e do controle social relativo a sua atuação.

O mesmo vale para artistas e atletas, por exemplo, que exercem atividade sujeita a exposição pública e alimentada pelo interesse e pela curiosidade popular. A esses elementos deve-se adicionar o local do fato que é objeto do interesse jornalístico.

Um episódio ocorrido em uma boate – suponha-se, por exemplo, uma agressão de um cônjuge ao outro – tem uma situação diversa do evento ocorrido dentro dos muros de uma casa e captado com teleobjetiva. A natureza do fato também deve fazer diferença. Por exemplo: um crime ou um acidente automobilístico não são fatos da vida privada.

Chega-se, por fim, ao elemento chave: a existência ou não de interesse público na divulgação da notícia. É nesse ponto que a liberdade de expressão assume o seu caráter de uma liberdade preferencial.

Em uma sociedade democrática, o direito à informação e a liberdade de imprensa são pressupostos para o exercício esclarecido e pleno dos demais direitos fundamentais. Por essa razão, o interesse público na divulgação de fato e opiniões se presume sempre presente.

A relevância ou não da informação não pode ser estabelecida por ninguém: ela será definida em um mercado livre de idéias, cuja circulação, só por exceção rara, deverá ser impedida. 

A liberdade de expressão envolve custos sociais e pode produzir vítimas inocentes. Pessoas podem sofrer injustamente com a divulgação de certos fatos, algumas vezes ocorrem erros e em outras há malícia mesmo.

O uso abusivo do poder por jornalistas ou meios de comunicação pode ser reparado por mecanismos diversos, que incluem a retificação, a retratação, o direito de resposta, a reparação civil, a responsabilidade penal e a interdição da divulgação.

A responsabilização penal, como regra geral, é totalmente imprópria nesse domínio. A interdição da divulgação deve ser limitada a hipóteses excepcionais. A reparação moral deve ser dada com moderação. Com todas as suas circunstâncias, a imprensa livre ainda é o melhor antídoto contra o autoritarismo, a improbidade e a mediocridade em geral.

Por Ricardo Noblat

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