quarta-feira, 15 de maio de 2013

Acredite se quiser





Entre as várias definições de notícia, uma é básica para os meios de comunicação: notícia é tudo aquilo que foge ao normal. É normal que os aviões cheguem bem ao destino; portanto, quando chegam bem, não é notícia. Quando um não chega, é notícia. É normal que haja mercadorias nas lojas; quando falta uma mercadoria, é notícia. 

Pois nem isso está sendo seguido na imprensa brasileira. Os irmãos Cravinhos, condenados por assassinar a pauladas um casal que dormia, os pais de Suzane Richtofen, foram liberados para passar o Dia das Mães com a família. Ambos, recordemos, mataram a mãe e o pai de Suzane a pauladas, para que a namorada de um deles pudesse herdar o dinheiro da família. Por aquelas coisas exóticas que só ocorrem no Brasil, saem da cadeia no Dia das Mães. E a imprensa dá a notícia de maneira sóbria, tranquila, discreta, com muito menos destaque do que, por exemplo, as especulações sobre a reformulação do elenco do São Paulo. Espera-se que Suzane Richtofen não tenha conseguido o mesmo benefício - afinal de contas, trata-se de uma órfã.

A transformação de Guilherme Afif Domingos numa limusine da política (ocupa o lugar de dois) é, sem dúvida, algo tão exótico que chama a atenção; mas é um pecado menor, diante de dois assassinos frios que ganham um inacreditável dia de liberdade. Mas a dupla militância de Afif, como vice-governador de São Paulo e ministro de Dilma, ganhou muito mais espaço nos meios de comunicação do que a libertação - embora, ao que se imagina, provisória - de dois rapazes que já mostraram que não recuam diante de nada, nem de um duplo assassínio, para atingir seus objetivos.

Há outras coisas tipicamente brasileiras que até são noticiadas, mas com frieza, sem aprofundamento, como se normais fossem. O deputado federal Natan Donadon, do PMDB de Roraima, está condenado desde 2010 a treze anos de prisão por peculato (ou, em português claro, roubo de dinheiro público) e formação de quadrilha. Recorreu o quanto pôde, continua condenado e continua deputado. Os deputados João Paulo Cunha e José Genoíno, ambos do PT paulista, foram condenados no processo do Mensalão, pelo Supremo Tribunal Federal; deputados continuam, já que ainda não houve o julgamento dos embargos. Mas para eles o simples exercício do mandato não é suficiente: foram escolhidos pelo partido para a Comissão de Constituição e Justiça. E João Paulo Cunha foi um dos garotos-propaganda do partido nos anúncios de televisão - ou seja, um exemplo.

Genoíno e João Paulo Cunha provavelmente são conhecidos da maior parte dos consumidores de informação: ocuparam cargos de destaque e o processo a que foram submetidos teve ampla publicidade. Mas Natan Donadon, menos notório, quantos se lembram dele? Poucos, certamente: pois, embora tenha sido condenado há mais tempo, por crimes tão graves quanto os dos outros, e continue solto, os meios de comunicação trataram do assunto tão tranquilamente que nem conseguiram (se é que tentaram) chamar a atenção para o caso.

Mais? Mais. Quem lembra do nome de Walfrido dos Mares Guia, do PSB mineiro, que foi vice-governador, que foi até ministro? E de Eduardo Azeredo, do PSDB mineiro, que foi governador? Pois ambos foram denunciados em 2007, pelo procurador-geral da República, por participação do Mensalão mineiro, anterior ao Mensalão. Já se passaram seis anos e nada de julgamento. E Mares Guia, no final de 2012, completou 70 anos. Portanto, na forma da lei, livrou-se do processo. Alguém terá encontrado com destaque, nos meios de comunicação, a "extinção da punibilidade" que beneficiou o ex-ministro?

A notícia deve ser honesta, correta, contendo os vários lados da questão. Mas ser indiferente ao que aconteceu é outra coisa. 

Outra excelente definição de notícia - que, no caso, não está sendo seguida - diz que notícia é aquilo que os envolvidos não querem que seja publicado.

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