Dizer que o centrão está irritado com o governo não traduz adequadamente o que está acontecendo em Brasília. O centrão não fica com raiva, fica com tudo. Ocorre que Jair Bolsonaro declarou que extinguiria o toma-lá-dá-cá e governaria com as frentes parlamentares temáticas. Disse isso porque o calor de urnas recém-abertas confere ao eleito uma aparência de super-homem. Ao descer das nuvens da consagração para o chão escorregadio do dia-a-dia administrativo, o eleito percebe que presidente indignado com o fisiologismo é como comandante de navio revoltado com o mar. Eis o que está sucedendo em Brasília: para conseguir navegar, o capitão negocia com os líderes partidários os termos de sua rendição.
Conforme já noticiado aqui, o presidente sinalizou a disposição de reativar o balcão. O eleitor de Bolsonaro, com fome de assepsia, espera que seu líder fixe novos padrões morais. Mas está entendido que, no Brasil, não importa se o presidente é de esquerda ou de direita. Para que seus projetos avancem no Congresso, ele terá de singrar as águas turvas dominadas pelo centrão e seus assemelhados. Dando-se de barato que o pedágio é inevitável, Bolsonaro poderia inovar na transparência. Bastaria acender a luz do ambiente, deixando à mostra tudo o que os partidos desejam tomar e o que o governo se dispõe a dar. O diabo é que Bolsonaro parece preferir a trilha da empulhação.
Após abrir a temporada de indicações partidárias para cargos do segundo e do terceiro escalão, o Planalto passou a trombetear a decisão de criar um "banco de talentos". Isso é marquetagem, não solução. Argumenta-se que os ministros darão a última palavra. A regra não chega a entusiasmar, pois um terço da equipe ministerial de Bolsonaro carrega algum tipo de suspeição em inquéritos, denúncias, ações penais e até uma sentença condenatória. Alega-se que apenas as indicações técnicas serão aceitas. Bobagem. Na máquina estatal, não basta ser técnico. É preciso saber se as habilidades técnicas estão a serviço do interesse público ou dos interesses privados do padrinho político.
A propósito, recomendasse a Bolsonaro que chame Sergio Moro para uma conversa. O capitão deve pedir ao seu ministro da Justiça que faça um relato sobre o primeiro depoimento do delator Paulo Roberto Costa num processo da Lava Jato. Ex-diretor de Abastecimento da Petrobras, Paulinho, como Lula o chamava, foi inquirido pelo então titular da 13ª Vara Federal de Curitiba em outubro de 2014. Funcionário de carreira da Petrobras, o réu chegou à diretoria por indicação do PP, um dos partidos que agora exigem que Bolsonaro encoste o estômago no balcão.
Antes de dar por encerrado o interrogatório, Sergio Moro perguntou se Paulinho gostaria de "dizer alguma coisa". E ele: "Queria dizer só uma coisa, Excelência. Eu trabalhei na Petrobras 35 anos. Vinte e sete anos do meu trabalho foram trabalhos técnicos, gerenciais. E eu não tive nenhuma mácula nesses 27 anos. Se houve erro —e houve, não é?— foi a partir da entrada minha na diretoria por envolvimento com grupos políticos, que usam a oração de São Francisco, que é dando que se recebe. Eles dizem muito isso. Então, esse envolvimento político que tem, que tinha em todas as diretorias da Petrobras, é uma mácula dentro da companhia…"
Ou seja: em meio a muitas dúvidas sobre o modo como Bolsonaro pretende gerenciar o balcão, só uma coisa é certa: se o governo recebe a indicação de centenas de larápios vinculados aos partidos fisiológicos com representação no Congresso, eles acabarão assumindo poltronas nas cercanias dos cofres públicos. Embora inscritos no banco de talentos do novo governo, continuarão sendo larápios.
Por Josias de Souza
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