O ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente) considera o lendário líder seringueiro Chico Mendes um personagem "irrelevante". Em entrevista ao Roda Viva, na noite de segunda-feira (11), o auxiliar de Jair Bolsonaro indagou: "Que diferença faz quem é o Chico Mendes nesse momento?" Recordou-se ao entrevistado que Chico Mendes teve a relevância reconhecida até pela ONU. E o ministro: "A ONU reconhece um monte de coisa errada também".
Chico Mendes foi injetado na conversa no final da entrevista. Como o ministro realizaria sua primeira visita à Amazônia nesta terça-feira, perguntou-se a ele o que achava do líder seringueiro. "Olha, eu não conheço o Chico Mendes e tenho certo cuidado em falar de coisas que não conheço", declarou Ricardo Salles, antes de soar descuidado na frase seguinte.
"Eu escuto histórias de todo o lado. Do lado dos ambientalistas, mais ligados à esquerda, um enaltecimento do Chico Mendes. As pessoas que são do agro, da região, dizem: olha, o Chico Mendes não era isso que é contado."
Uma das entrevistadoras indagou: O que o pessoal do 'agro' diz ao senhor? O ministro respondeu, de bate-pronto: "Que o Chico Mendes usava os seringueiros para se beneficiar, fazia uma manipulação da opinião ali…"
Outro repórter emendou: Se beneficiar em quê? Ele morreu pobre! Foi nesse ponto que Ricardo Salles, já meio abespinhado, menosprezou uma das páginas mais importantes do enredo amazônico: "Que diferença faz quem é o Chico Mendes nesse momento?"
Chico Mendes, como se sabe, está no DNA da política ambiental no Brasil. Em 1977, recebeu o Prêmio Global de Preservação Ambiental da ONU. Ou seja: o personagem que o ministro tacha de "irrelevante" já era internacionalmente reconhecido há quatro décadas.
Em 1988, Chico Mendes foi passado nas armas pelo fazendeiro Darly Alves da Silva e seu filho. Os desmatadores não suportavam o convívio com um defensor de valores socioambientais. Não admitiam a pregação em favor da criação de reservas extrativistas, a salvo das motosserras —áreas em que os seringueiros conciliariam o trabalho com a preservação da floresta.
Se não tivesse sido acomodado na Esplanada dos Ministérios por Jair Bolsonaro, Ricardo Salles seria apenas um ex-secretário do governo paulista condenado por improbidade administrativa. Mas já que foi convertido em titular da pasta do Meio Ambiente, seria recomendável que evitasse espremer a biografia de Chico Mendes na bitola estreita dos sinais de trânsito: esquerda ou direita?
É certo que a história costuma ser escrita pelos vitoriosos. Mas pessoas como Ricardo Salles deveriam pelo menos simular algum respeito pelos combatentes que tombaram lutando. Do contrário, o ministro acaba reforçando no brasileiro essa incômoda sensação de que vive um enredo confuso, no qual faz o papel do passageiro que viaja num avião sabendo que sua bagagem, com tudo o que foi capaz de conquistar em sua história, viaja em outra aeronave.
Por Josias de Souza
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