Os Trapalhões:
Há um hiato cognitivo coletivo que hoje marca o governo Bolsonaro. A reforma da Previdência precisa ser feita. Conheço, sim, pessoas que dizem o contrário, mas é por ideologia apenas, não por uma leitura objetiva da realidade. Estão fazendo política. É normal na democracia. Bem, quem está no governo concentra mais responsabilidades do que quem está na oposição — embora esta também deva se responsabilizar pela institucionalidade. Mas seu papel estrutural é dividir, não somar. Quem junta os diferentes, quem congrega os dissonantes, quem os convida a uma frente, relevando as arestas, que não vão desaparecer, é o governo. Ocorre que a turma de Bolsonaro faz precisamente o contrário. Essa gente está no poder, mas age como se fosse um grupo de resistência. Vocês já repararam que os ministros de extrema-direita do governo atuam como se o PT ainda fosse poder?
Uma piada chamada Vélez; o que diz a lei sobre o Hino
Vejam o caso desta figura patética chamada Carlos Vélez Rodrigues, ministro da Educação. Ele recuou da sua disposição inicial de pedir que fosse lida nas escolas uma mensagem sua que carregava o lema da eleição de Bolsonaro: “Brasil acima de tudo; Deus acima de todos”. Até o general Hamilton Mourão lembrou que era ilegal. É um caso escancarado, diga-se, de improbidade administrativa — e é bom notar que nem toda improbidade envolve enriquecimento pessoal. Também lembrou que a filmagem dos alunos a entoar o “Virundum” tem de ser acompanhada de autorização. Mas ele insiste na manifestação cívica. Existe disposição legal para isso? O Parágrafo Único do Artigo 39 da Lei 5.700 prevê: “Nos estabelecimentos públicos e privados de ensino fundamental, é obrigatória a execução do Hino Nacional uma vez por semana”. No caput, define-se que as escolas de ensino fundamental e médio têm de ensinar “o desenho e o significado da Bandeira Nacional, bem como o canto e a interpretação da letra do Hino Nacional”. Mas essa é a mesma lei que proíbe qualquer outro arranjo para o Hino Nacional que não o nela previsto. Pelo que vai lá escrito, dá pra chamar a Vanusa e a Fafá de Belém das Diretas-já de “foras-da-lei”. Que mal há em cantar o Hino Nacional? Nenhum? Que mal há em fazê-lo peça de propaganda de um governo? Todos. Vélez Rodrigues é aquele cuja pasta anunciou, por intermédio do Inep, o instituto que elabora exames oficiais, a criação de uma comissão de censura para avaliar as questões do Enem. Nesta terça, o ministro foi ao Senado. Estava sorridente e visivelmente deslumbrado. Afinal, a sua agenda não é a do presidente?
Ernesto Araújo é um que se lixa para a reputação do governo; afinal, a sua agenda é a de Bolsonaro…
Vejam Ernesto Araújo, ministro das Relações Exteriores. Ele é um dos principais responsáveis por quase ter metido o Brasil numa aventura estúpida no caso da Venezuela. Nicolás Maduro é um ditador detestável. Mas a condução dada ao caso pelo Brasil é uma estupidez. E o presidente Bolsonaro insistiu na tolice, a despeito do que lhe disseram os militares de dentro e de fora do governo. Depois de se atrapalhar todo com uma consideração algo lisonjeiras sobre a tirania vigente na Coreia do Norte, Araújo foi para o Twitter para atacar a mídia, que, segundo ele, não preza o Ocidente Democrático. Deve-se entender que Araújo pisca para Kim Jong-un em nome, então, do Ocidente Democrático. Araújo é outro que não está nem aí para a corrosão da credibilidade do governo. Afinal, a sua agenda não é a do presidente?
A Previdência e outras reformas requerem convergência, e bolsonaristas sabem bem é hostilizar
Na Folha: “Uma minuta de decreto formulada pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), à qual a Folha teve acesso, cria um ‘núcleo de conciliação’ com poderes para analisar, mudar o valor e até anular cada multa aplicada pelo Ibama por crimes ambientais no território nacional —esvaziando, na prática, o papel do fiscal. Além disso, a minuta extingue uma das modalidades de conversão de multas, um sistema que hoje permite a participação de entidades públicas e organizações não governamentais em projetos de recuperação ambiental.”
O titular da pasta é Ricardo Salles. Colabora para agregar pessoas à governança? Não! Divide. Porque, não prática, é o Meio Ambiente desautorizando o seu instrumento de fiscalização. Mas, afinal, a sua agenda não é a do presidente? Bolsonaro montou um governo que tem como fundamento fazer inimigos e adversários e influenciar pessoas. Ele tem uma plataforma que é de divisão e confronto. E a reforma da Previdência e outras tantas requerem convergências novas. Há nisso tudo um erro fundamental de enfoque. Os bolsonaristas precisam se lembrar de que eles, agora, estão no poder. Não podem se comportar como oposição ao PT e às esquerdas. Estes é que são os oposicionistas, ora bolas!
Bolsonaristas são tão viciados em divisão que Eduardo, o Zero Três, foi aos EUA hostilizar o México
Eu sei, no entanto, que ao afirmar que o governo precisa de convergências, não em aumentar ainda mais as crispações, malho em ferro frio porque as coisas têm a sua natureza, e, muitas vezes, os políticos e os que se tornam políticos abraçam personagens e depois não conseguem dele se desgrudar. A obsessão pelo confronto é tal que Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), deputado federal mais votado do país, um dos filhos do presidente, houve por bem participar de uma reunião de “trumpetes” — admiradores de Donald Trump — nos EUA e, ora veja, defender a construção do muro na divisa com o México. E ainda disse saber bem do que falava porque havia trabalhado na fronteira do Brasil com a Bolívia, sugerindo, sei lá, que talvez um muro também devesse criar dificuldades para a migração de bolivianos para o Brasil. Mas, afinal, a sua agenda não é a do presidente? Não foi Bolsonaro quem retirou o Brasil do Pacto Mundial para Migração? Quanto votos isso tira da Previdência? Diretamente, creio, nenhum! A postura só ajuda a erguer muros na interlocução política. Ocorre que tal discurso faz parte da construção da figura de Eduardo como o líder da extrema-direita populista no Brasil. Um Eduardo, diga-se, que anunciou na Internet, no ano passado, o seu voto contrário à reforma da Previdência e que afirmou com todas as letras que o sistema não era deficitário.
Bolsonaro escolhe para sua líder no Congresso deputada de discurso virulento contra os professores
Nesta terça, Bolsonaro escolheu a deputada Joyce Hasselmann (PSL-SP), segunda deputada federal mais votada do país (só perdeu, na categoria, para Eduardo, o Zero Três), para líder do governo no Congresso. Ela andou se articulando com políticos de vários partidos e ganhou rapidamente trânsito em determinadas áreas. Vamos ver. Há dias, ela assumiu o microfone na Câmara para decretar: “A nossa educação é ruim “porque os nossos professores não sabem ensinar”. E assim seria porque “não foram ensinados a ensinar”. Acrescentou: “Eles passaram por um processo ideológico e repetem aquilo que aprenderam. Pronto!” Certo. Se a deputada vai assumir um outro estilo na liderança do governo no Congresso, bem, isso não sei. Os professores formam uma das categorias que vão dar trabalho na reforma da Previdência. Há outras: a dos policiais, por exemplo. Pode-se tentar argumentar que a segurança pública é ruim porque, sei lá, os “policiais não sabem policiar”. E a saúde é precária porque os “médicos não sabem medicar”… Estou certo de uma coisa: no governo Bolsonaro, os políticos precisam saber politicar… Tomando cuidado com o tal “processo ideológico”. Ou a vaca vai para o brejo. Convicta, sim! Mas no brejo!
Por Reinaldo Azevedo
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