Luiz Carlos e Mikhail: a culpa não-provada do pai agora recai sobre o filho |
Você caiu nas malhas da Lava-Jato ou de suas franjas? Corre o risco de ser hostilizado em aeroportos e restaurantes por pessoas que jamais sonegam impostos, nunca andam no acostamento, não corrompem o guarda, jamais varam o sinal ou não deixam de pagar o FGTS da empregada doméstica, franqueando à dedicada Francenilda — “como se fosse da família, claro!” — o acesso a comidas, frutas e laticínios que servem aos donos da casa? Bem, se você não quer enfrentar a ira santa dos impolutos do MPL (Movimento das Pessoas Limpinhas), resta-lhe um caminho: o suicídio.
Com alguma sorte, até a imprensa pode dar uma colher de chá à sua memória e ler o inquérito ou a denúncia que o havia colhido em vida. Mas é bom fazer a coisa de forma ordenada. Suicídio em massa não resolve. Não se esqueçam de que a PF e o MPF são consumidores intensivos da mão de obra jornalística, vazando, de forma sistemática, investigações sigilosas. Tempo é matéria escassa. Acusar, como se sabe, é mais rápido.
Foi o que pensei ao ler reportagem da revista “Veja” da semana passada e da Folha de hoje sobre Luiz Carlos Concellier de Olivo, reitor da Universidade Federal de Santa Catarina. Foi preso no dia 14 de setembro do ano passado, acusado de chefiar uma “ORCRIM” (organização criminosa) que atuava na instituição e que teria desviado R$ 80 milhões. Vestiu uniforme laranja, foi algemado e teve os pés acorrentados. Solto, ele se matou 18 dias depois, jogando-se do 7º andar de um shopping em Florianópolis. A leitura de 6 mil páginas do inquérito e 800 do relatório da PF leva à seguinte conclusão: nada existe contra Concellier. Para se ter medida do absurdo, os R$ 80 milhões que teriam sumido é a soma de verbas que a UFSC recebeu ao longo de 10 anos. As acusações que há contra ele assombram pela fragilidade.
Não! Não se trata de um braço da Lava Jato, mas pouco importa. Os métodos são os mesmos. Érika Marena, delegada da Polícia Federal que conduziu o inquérito é uma ex-coordenadora da força-tarefa. A lição, como se vê, foi bem aprendida. E o método se espalha. O que aconteceu com ela? Nada. Depois de uma sindicância, chegou-se à conclusão de que ela não fez nada de errado. Foi transferida para Sergipe. Sem uma lei decente que puna abuso de autoridade — e disseram que isso seria um atentado à Lava Jato —, nem o suicídio em massa levaria a uma mudança de métodos. Mas o morto ganha ao menos o direito a uma revisão do processo.
Nada encontraram contra o pai, então os valentes resolveram assombrar o direito romano e foram em cima do filho. Desde aqueles tempos se considera que as culpas, ainda que efetivas dos país, não recaem sobre os filhos. Não nestes dias. Mikhail Concellier, hoje professor da UFSC, foi indiciado por suspeita de repasse irregular para a sua conta. Total da bolada? Ao longo de 2013, R$ 7.102, totalizados em três depósitos! Só o terceiro deles, uma fração disso, está respaldado em algum fio de suspeita, ainda assim ridículo.
O caso de Luiz Carlos Concellier de Olivo só está sendo revisto pela imprensa porque ele se matou. O fundamento moral do episódio é terrível. Se vivo, estaria impedido de pôr os pês na UFSC — foi uma das medidas cautelares a que ficou sujeito — e certamente seria apontado, lá no shopping em que se matou, como o ladrão de R$ 80 milhões.
Como se vê, quando o PAPOL — Partido da Polícia — está no comando, só existe inocente morto.
Por Reinaldo Azevedo
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