domingo, 19 de novembro de 2023

Lula caminha para um ano de governo sem oposição; Bolsonaro emporcalha tudo



Lula completará logo o primeiro ano de mandato. É pouco para antever aonde vai chegar essa gestão e que destino lhe reserva a eleição de 2026 — a despeito da vocação de Pitonisa dos colunistas "duzmercáduz", que fazem de tudo, menos acertar —, mas já é tempo bastante para constatar que inexiste uma oposição organizada. E me parece que se pode dizer, sem incorrer em ousadia, que não haverá

Há quem aponte, geralmente por antipetismo renitente, que o governo está perdido. Não é a minha avaliação, ainda que lhe faça reservas aqui e ali. Convenham: o "outro lado" é que ainda não encontrou um discurso. E isso decorre, entendo, de duas causas distintas, que se combinam.

De um lado, Bolsonaro tutela aqueles que considera seus devedores eleitorais e atua para que nada viceje à sua sombra, a não ser novos... devedores. Sabe que um mandatário que fosse eleito com o seu apoio seguiria a máxima atribuída a De Gaulle: "O primeiro dever de um estadista é a traição". Já andou se estranhando, por exemplo, com Romeu Zema (Novo) e com Tarcísio de Freitas (Republicanos), governadores, respectivamente, de Minas e São Paulo.

Nenhum deles pode ser visto como pré-candidato porque isso significaria, na cabeça oca do doidivanas e na de seus fanáticos, endossar a decisão que entendem "injusta" do TSE, que tornou o Biltre inelegível. Buscam, nesse particular, mimetizar o PT, que se negou a lançar um substituto em 2018 até que o TSE não chancelasse a inelegibilidade de seu líder maior. Ocorre que a do "capitão" já está dada, sem chance de reversão. Ademais, o ex-operário fora condenado contra o devido processo legal; já o candidato ao fascismo caboclo apenas se deparou com a higidez da lei.

Há outro aspecto. A direita não bolsonarista se rendeu ao "Mito". Fez isso em 2018 e em 2022. Os sedizentes "liberais" — essa categoria a cada dia mais parecida com cabeça de bacalhau — não conseguem articular uma alternativa ao poder de turno ou aos reacionarismos cotidianamente vomitados pelo homem que ministrava cloroquina às emas.

Os conservadores mais ilustrados tiveram a chance notável, na eleição do ano passado, de dizer com clareza: "Não gostamos nem de Um nem de Outro, mas entendemos que Um não ameaça a democracia, e o Outro, sim". Não o fizeram. Preferiram ser caudatários de quem os destrói — e não é o PT. A propósito: seus homólogos — sobretudo em idiotia — argentinos não atuam de modo distinto. Esse tipo de líder oposicionista só serve para movimentar eventos de empresários desocupados. A próxima etapa é animar festinha de aniversário de "buffet" infantil.

IMPRENSA

Por enquanto, a mais dura contradita que Lula enfrenta está mesmo concentrada em setores da imprensa, que se transforma, com exceções raras, em canal obsequioso de lobbies organizados, especialmente quando se trata de economia.

Já vimos: uma simples entrevista do mandatário é tratada como um cataclismo caso diga que o déficit em 2024 pode não ser zero, o que despachou a Bolsa para os infernos. Bastaram três semanas para que começasse a bater recordes, subindo ao céu.

Que coisa! O último erro que um articulista pode cometer é acertar!!! A menos, claro!, que preveja catástrofes. E se as previr e errar? Ora, é sinal de independência, gente! Inclusive em relação aos fatos. É o tipo de analista que só existe em razão da condescendência de superiores que erram ainda mais do que ele próprio. Adiante.

PROPOSTA ZERO

Nem os ditos "liberais", ou o que sobrou deles, nem o bolsonarismo apresentaram um "Plano B" para, por exemplo, o arcabouço fiscal ou a reforma tributária, limitando-se ao muxoxo -- e, de vez em quando, à pregação histérica -- em favor do corte de gastos. E nunca se diz, como é conveniente, em que áreas se deveria passar a faca. Os editoriais também fogem dessa seara. São sempre hiperbólicos e adjetivos ao apontar descontrole, mas ninguém tem aquilo roxo para, por exemplo, reivindicar cortes nos dispêndios sociais. Sua corajosa covardia não chega a tanto.

Há um gritinho ou outro contra subsídios e isenções, menos quando se trata da folha de pagamentos. Aí os lobbies todos se juntam, em coro, "em defesa dos empregos". Como se sabe, desoneração ruim é sempre a feita para ou por outros, certo? Quando é para "nós", trata-se de justiça social. Já é um clichê, mas me obrigo a evocar La Rochefoucauld: "A hipocrisia é o tributo que o vício presta à virtude".

FAGOCITOSE
É claro que Lula se elegeu com um Congresso majoritariamente de direita, abrigando um número inédito de extremistas. Talvez seja o caso de, neste ponto, e só neste, saudar o fato de que o Parlamento, não podendo ser esmagadoramente progressista --infelizmente, não é --, ainda tem uma maioria relativa de "centrãozistas". Notem que não escrevi "centristas".

Segundo a tradição do chamado "Presidencialismo de coalizão, que anda ferido, mas não morto, essa turma tem de ser fagocitada pelo Executivo.

Prestemos atenção ao reaça, a Michelle -- sua dileta -- e aos seus. O "líder" inelegível do "contra" assim se manifestou nas redes:
"Um voto que marcará o futuro de cada um de nós.
- Hoje o Senado decide o futuro do Brasil. A Reforma Tributária, proposta por aquele que tem orgulho de ser chamado de comunista, será votada.
- Alguns senadores, que se elegeram ou reelegeram, dizem que tiveram algumas de suas emendas acolhidas, e votarão com os comunistas, pois alegam que seu estado não será afetado ou será menos prejudicado.
- De concreto teremos o IVA mais caro do mundo. O Brasil não pode ter um ou outro estado bem e os demais prejudicados. De nada vale um estado produzir se os demais não puderem comprar. A economia não irá girar. Todos perderão.
- Exemplifico, de que vale a Zona Franca de Manaus produzir se não tiver para quem vender seus produtos?
- Quem irá investir no Brasil sem mercado consumidor? Ou num país onde tudo que é produzido é extremamente caro? Os empresários, com toda certeza, investirão em outros países.
- De nada vale vestir o verde/amarelo por ocasião das eleições e o vermelho durante o mandato, o nosso futuro será o da Venezuela, Argentina, ...
- O PT está ao lado da liberação das drogas, do aborto, do novo Marco Temporal, do fim da propriedade privada, da censura, não considera o Hamas terrorista, está ao lado de ditadores, contra o Agronegócio, contra o legítimo direito à defesa, a favor da ideologia de gênero, ou seja, ao lado de tudo aquilo que repudiamos. Por que então essa proposta de Reforma Tributária seria boa?
Por fim, quero lembrar que o setor de serviços, o maior gerador de empregos do Brasil, será duramente atingido por essa reforma. O agronegócio, orgulho nacional, também terá aumento de carga tributária. O setor de tecnologia e inovação também terá forte aumento de tributos. Como um país se desenvolve se as empresas de tecnologia e inovação são taxadas com altas alíquotas? Este é o caminho que queremos para o Brasil?
Já imaginou o pequeno empresário do setor de serviços que hoje paga em torno de 8% de tributos tendo que arcar com um IVA de quase 30%? Imagine você contratando um serviço, e descobrindo que irá pagar R$ 130 se o empresário emitir nota ou R$ 100 sem emitir nota? Fantasmas do passado irão retornar ao nosso país."

Vou ignorar o "bobajol" econômico porque nem errado consegue estar de tão alucinado — não por acaso, Ciro Nogueira (PP-PI), seu ex-chefe da Casa Civil, votou a favor. Está a cada dia mais atrasado, mas nunca foi burro.

Peço que prestem atenção à direção política daquele que pretende ser um outro polo de poder ou o elemento a defini-la. Por que, mesmo, dizer "não" à reforma tributária? Ora, porque ela seria coisa de quem está "ao lado da liberação das drogas, do aborto, do novo Marco Temporal, do fim da propriedade privada, da censura, não considera o Hamas terrorista, está ao lado de ditadores, contra o Agronegócio, contra o legítimo direito à defesa, a favor da ideologia de gênero"...

Aí está o programa do "cara" para o Brasil. "Ah, Reinaldo, mas parte das redes continua seduzida por essa ladainha..." Eu sei. Notem que, acima, digo ser essa uma das dificuldades da direita que não é bolsonarista: não se desvincula da estupidez para articular a contradita. Essa sem-vergonhice ganhou a eleição em 2018. Mas teria perdido no primeiro turno em 2022 — em razão da situação econômica — não fossem as PECs ilegais na boca da urna para ampliar benefícios sociais e baixar artificialmente o preço dos combustíveis.

Se a economia estiver, vamos dizer, de regular para cima em 2026, não será tão fácil vencer uma eleição com pregação anticomunista e comportamento de fiscal da genitália alheia e adjacências. E há a possibilidade de boas coisas acontecerem até lá.

DUELISTAS, CAMPOS OPOSTOS E CONTRADIÇÃO DO MESMO LADO
Sim, o bolsonarismo continua forte e resiliente. Os petistas e progressistas o enfrentam e têm mesmo de fazê-lo. Mas notem: são duelistas; lutam com os pés em campos opostos.

Se o conservadorismo hostil ao "mau militar" — segundo Geisel — não fizer uma disputa no seu próprio território com esses porta-vozes das trevas, continuará como seu caudatária — e, pois, sem chance de poder arrostar a esquerda. Em muitas circunstâncias, o confronto com um adversário extremista é preferível àquele com o moderado.

Neste sábado, Bolsonaro e Michelle estiveram no evento do PL Mulher em Porto Alegre. O marido chamou Flávio Dino de "baleia", e a "esposa" acusou o ministro e o Planalto de tolerância com o narcotráfico...

O malucão ainda tentou ensaiar um fala contra a reforma tributária:
"Essa atual reforma tributária não tem nada de privada. Por isso, o nosso partido desde o primeiro momento fechou posição. Que pena que uma minoria tenha se vendido. Jesus tinha 12, um traiu. Nós temos 99, dez vão trair também".

Sei lá o que tentou dizer. Parece que se esforçou para afirmar que o empresariado — e, pois, o setor privado — era contra o texto aprovado, o que é uma mentira descarada.

Até agora, o único perigo que a oposição representa para o governo é não representar perigo nenhum. Na democracia, é sempre bom ter opositores qualificados. Sem estes, o poder de turno acaba errando mais do que seria prudente.

Nenhum comentário: