quarta-feira, 29 de novembro de 2023

Ataque de áreas da imprensa a Dino prova que fascistoides não foram em vao



Li um artigo em que Flávio Dino (Justiça), indicado por Lula para o Supremo, é chamado de "beligerante". Como se pode encontrar com facilidade, a palavra deriva de "belligero" — "belligerare" no infinitivo. Nos dicionários latinos, verbos aparecem na primeira pessoa do indicativo. Significado? "Fazer a guerra", "guerrear". O substantivo é "bellum" (guerra). Daí o famoso lema "Si vis pacem, para bellum": se queres a paz, prepara a guerra.

"Parabellum" é o nome de uma pistola produzida pela empresa alemã Deustsche Waffen und Munitionsfabrik (D.W.M.). Ficou famosa, entre os que curtem essas coisas estranhas, no começo do século passado. Os brasucas criamos a palavra "parabelo" como sinônimo de trabuco. Em "Deus e o Diabo na Terra do Sol", de Gláuber Rocha, ao clamor para que Corisco se entregue, este responde, no canto de Sergio Ricardo, parceiro de Glauber na música: "Eu me entrego só na morte, de parabelo na mão". Segue a letra:
"Se entrega, Corisco!
Eu não me entrego, não!
Eu não sou passarinho
Pra viver lá na prisão.
Se entrega, Corisco!
Eu não me entrego, não!
Não me entrego ao tenente,
Não me entrego ao capitão,
Eu me entrego só na morte
De parabelo na mão
Se entrega, Corisco!
Eu não me entrego, não!
(Mais forte são os poderes do povo!)"

Pois é... O povo quase nunca se dá bem no fim dos filmes, pior ainda nos da vida real. Até porque se vai aprendendo que "povo", propriamente, como unidade, não existe. Há "povos". O desafio é garantir a todos a dignidade na diversidade.

"Que viajada, hein, Reinaldo Azevedo!" Admito: um pouco. É que fiquei cá a me indagar o que leva alguém, e não é só a ignorância etimológica — quem sabe a vontade servir... —, a tachar Dino de "beligerante". E, pois, isso significa que ele estaria disposto à guerra. Mais até: o homem a promoveria, buscando, de modo deliberado, o confronto.

DIVERGÊNCIAS

As pessoas divergem sobre gostos. Sempre há aquelas que curtem coisas exóticas. Eu, por exemplo, sou o "louco do coentro". Vou com certa frequência a um restaurante em que há um arroz levemente salpicado pela erva. Peço uma porção extra da dita-cuja. Garçons ficam um tanto hesitantes diante da demanda, a um passo de dizer: "O senhor é doido, é?" Não consigo compreender quem gosta de carne de frango, impossível para mim. Sinto gosto de pena escaldada. "E que gosto tem pena escaldada, maluco?" O de carne de frango, ora!

Dino da guerra? Não se trata de um solipsismo do paladar. Não é como investir numa overdose de coentro ou pedir: "Você poderia dispensar o frango só hoje? Eram dinossauros, coitados!" Até essa saída haurida da evolução eu já tentei. Que nada! Um franguinho grelhado é considerado o pretinho básico, o jeans com que se pode ir à festa, à casa da mãe ou a uma "manif dos antifas". Já o coentro é a exposição de um gosto inconfessável, matéria que só se vocaliza ali pelo terceiro ano de análise.

HUMOR DE SALVAÇÃO

"Belligero", "belligerare", "bellum"... O ex-governador do Maranhão tem até um humor incomum na categoria a que pertence. Quando atacado com vilezas, responde com moderado sarcasmo ilustrado, apelando a certo didatismo -- que chega a ser pedagógico no caso do tal Nikolas (não que ele vá aprender tão cedo) e aparições afins. Contendores se ofendem às vezes, muito especialmente quando não entendem as respostas.

Entrevistei o ministro no podcast "Reconversa", que divido com o advogado Walfrido Warde. Na sua prosa, há citações cobertas de Eça de Queirós, Santo Tomas de Aquino, Santo Agostinho... São partes constitutivas do seu pensamento. E o faz sem arrogância. As referências fluem porque ali está um homem que tem não apenas o notório saber jurídico, e até isso lhe pretendem negar os "espadachins da reputação alheia". Há, de fato, notório saber civilizatório, que parece andar fora de moda em certos círculos que começam ignorando o sentido das palavras e seguem depredando a ordem democrática.

DEGRADAÇÃO

É do jogo, fazer o quê?, que bolsonaristas produzam bolsonarices. A degradação da vida pública não é uma jabuticaba nativa, como não cansa de gritar o mundo à volta. Infelizmente, nem a imprensa profissional ficou imune à degeneração rançosa. O grande mau passo, depois da redemocratização, se deu com a adesão incondicional à feitiçaria da Lava Jato -- e as Viúvas Porcinas de Moro Santeiro continuam por aí, a vender fofoca como se fosse jornalismo isento.

Coube ao Supremo recolocar o país no trilho da institucionalidade, depois de ter se livrado, ele também, de encantos e sortilégios. Ocorre que o resgate da ordem legal teve, felizmente, consequências. E uma delas foi a eleição de Lula. Os que foram derrotados pelo triunfo da Constituição e os que esperavam a tal "terceira via" criaram a fantasia de que há uma aliança tácita, ou conluio (depende a fúria do retórico), a unir o tribunal e os "progressistas"

Políticos de direita e de extrema-direita insistem nessa fantasmagoria. Seu papel é vender bugigangas ideológicas. Ocorre que, sob o pretexto de garantir a pluralidade, fatias do jornalismo passaram a dispensar a conspiradores e conspiracionistas o status de vozes aceitáveis no universo da democracia. Os fascistoides não foram em vão.

Onze meses depois do ataque de 8 de janeiro, acumulam-se os artigos contra a Corte. Com alguma frequência, são de uma ignorância específica que despertariam piedade, não fosse a má consciência que exalam. Dino, que fez o devido enfrentamento político com os inimigos da ordem democrática, é chamado "beligerante", e magistrados que se articularam para peitar os golpistas, enquanto muitos se acanalharam, são tratados como usurpadores.

ENCERRO

A pluralidade é o sol da terra, e uma de suas formas de ser é a divergência, inclusive a ideológica. Mas é preciso que se faça a devida distinção entre a opinião (e o gosto) e a mentira objetiva.

Deus e o diabo seguem lutando na terra do sol. "Se entrega, Corisco!" Eu não me entrego, não. Só me entrego na morte, de coentro na mão.


Nenhum comentário: