domingo, 5 de novembro de 2023

Após privilegiar os aliados, Israel culpa Hamas por reter brasileiros



A pretexto de explicar a retenção dos brasileiros no epicentro da guerra Israel - Hamas, a embaixada israelense em Brasília divulgou uma nota neste sábado. O texto é curto. Tem apenas quatro parágrafos. Atribui aos terroristas do Hamas a culpa pela demora na liberação do grupo do Brasil. Mas não explica o privilégio concedido a países aliados, cujos cidadãos foram incluídos nas quatro primeiras listas de estrangeiros autorizados a deixar a Faixa de Gaza.

No primeiro parágrafo, a protelação que inquieta o Itamaraty e o Planalto é tratada como mera alegação. Nesse pedaço do texto, a embaixada explica que decidiu emitir a nota para expor seus "posicionamentos sobre os alegados atrasos na liberação de cidadãos brasileiros na Faixa de Gaza a partir dos ataques desumanos ocorridos a partir do dia 7 de outubro".

No segundo parágrafo, a representação diplomática israelense reitera as atrocidades do ataque que sofreu em seu território no início do mês passado. Algo que o próprio governo brasileiro já reconheceu: "O Hamas é uma organização terrorista que sequestra, massacra, estupra e tortura centenas de pessoas de muitas nacionalidades..."

No terceiro parágrafo, o mais relevante, a embaixada de Israel atribui ao inimigo a tranca que impede a saída do grupo que o Brasil deseja repatriar —34 pessoas, entre brasileiros natos, parentes e palestinos com residência no Brasil. "O Hamas está atrasando a saída de estrangeiros da Faixa de Gaza e os utiliza de maneira desumana para se apresentarem como vítimas", diz a nota.

No quarto e último parágrafo, a embaixada dedica-se ao autoelogio: "O Estado de Israel está fazendo absolutamente tudo que pode e que está ao seu alcance para que todos os estrangeiros deixem a Faixa de Gaza o mais rapidamente possível."

A manifestação veio à luz nas pegadas da divulgação da quarta lista de estrangeiros que deixaram Gaza neste sábado através da passagem de Rafah, na fronteira com o Egito. Foram 599 pessoas. Nenhum brasileiro. Pelo terceiro dia consecutivo, a maioria foi de americanos (386). Na sequência, vieram cidadãos de outros países aliados de Israel: britânicos (112), franceses (51) e alemães (50).

Na lista da véspera, o privilégio concedido a aliados de Israel era igualmente nítido. Numa relação de 571 estrangeiros liberados para deixar a Faixa de Gaza, 367 eram americanos e 127 britânicos. Cresceu em Brasília a suspeita que atribui a reiterada exclusão de brasileiros a uma possível retaliação de Israel em função das posições do Brasil no Conselho de Segurança da ONU.

Na sexta-feira, o chanceler brasileiro Mauro Vieira havia tocado o telefone para o ministro das Relações Exteriores de Israel, Eli Cohen. Vieira disse ter recebido do colega a garantia de que o grupo do Brasil será autorizado a deixar a Faixa de Gaza apenas na próxima quarta-feira, uma semana depois do início do conta-gotas. Não houve menções a entraves impostos pelo Hamas.

Neste sábado, alheio à nota da embaixada israelense, o assessor internacional de Lula, Celso Amorim, telefonou para o conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos, Jake Sullivan. Reafirmou as preocupações do governo brasileiro, no pressuposto de que a inquietação será transmitida a Tel Aviv.

As articulações para a retirada de civis estrangeiros de Gaza envolvem quatro países: Israel, Egito, Catar e Estados Unidos. Os critérios que norteiam a elaboração das listas são desconhecidos. Mas ninguém ignora que Israel dá as cartas em articulação com seus principais aliados. Nesse contexto, regras escritas seriam menos perigosas do que a criatividade das justificativas.

Abaixo, a íntegra da nota da embaixada de Israel:

"Em atenção aos posicionamentos sobre os alegados atrasos na liberação de cidadãos brasileiros na Faixa de Gaza a partir dos ataques desumanos ocorridos a partir do dia 7 de Outubro, informamos:

O Hamas é uma organização terrorista que sequestra, massacra, estupra e tortura centenas de pessoas de muitas nacionalidades. Essa organização assassina provou repetidamente que seus relatórios não são confiáveis.

O Hamas está atrasando a saída de estrangeiros da Faixa de Gaza e os utiliza de maneira desumana para se apresentarem como vítimas.

O Estado de Israel está fazendo absolutamente tudo que pode e que está ao seu alcance para que todos os estrangeiros deixem a Faixa de Gaza o mais rapidamente possível."

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