segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Cresce pressão contra agro brasileiro. Causa? Falas e política de Bolsonaro


Bolsonaro vira "O boçal de Ipanema" na televisão alemã.
Reputação do país vai para o lixo

A principal rede de televisão alemã, a ARD, ridicularizou impiedosamente o presidente Jair Bolsonaro na quinta-feira. Comparou-o ao personagem Borat. Afirmou ser um bobo da corte e protagonista do filme "O Massacre da Serra Elétrica", numa alusão ao desmatamento da Amazônia. 

Segundo o apresentador Christian Ehring, Bolsonaro permite que se desmate a Amazônia para criar pasto para o gado e para plantar soja, que servirá de ração aos animais. O desmatamento aumentou brutalmente, mas as coisas não são bem assim. E daí? Bolsonaro e seu ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, passam a impressão de que assim são as coisas.

O fato é que cresce na Europa a pressão para que a soja e a carne brasileiras sofram sanções. A reputação do Brasil no mundo, ao contrário do que alardeia o governo, nunca foi tão ruim. 

Se querem saber as consequências, perguntem a Blairo Maggi, ex-ministro da Agricultura, acionista da Amaggi, maior trading do agronegócio de capital nacional do país. Em entrevista ao Valor, publicada na quinta, ele observa que o Brasil está muito perto de sofrer severos prejuízos em razão do discurso adotado pelo presidente, de quem foi eleitor.

Como vê a política ambiental? Ele responde: 
"Uma verdadeira confusão. O governo não fez nenhuma mudança aqui internamente, não facilitou a vida de ninguém, no entanto estamos pagando um preço muito alto. Acho que teremos problemas sérios. Não tem essa que o mundo precisa do Brasil. Talvez precisem dos agricultores brasileiros em outros países, mas somos apenas um "player" e, pior: substituível. O mundo depende de nós agora, mas daqui a pouco se inverte e ficamos chupando dedo."

Não, Blairo não é um dos "comunistas" do hospício mental de Bolsonaro. Trata-se apenas do principal exportador do país na área. E ele faz um alerta com todas as letras: 
Como exportador que sou, lhe digo: as coisas estão apertando cada vez mais. Há anos o Brasil vinha defendendo preservação com produção, tínhamos avançado bastante, já tínhamos ganhado confiança do mercado, mas com esse discurso [do governo], voltamos à estaca zero. E aqui faço uma analogia: o Brasil tinha subido no muro e passado a perna para desce r do outro lado, agora fomos empurrados de volta e para bem longe do muro. Não veja como crítica feroz, mas sim como um alerta.

Mas há o risco efetivo de o país perder mercado em razão da política ambiental? Bem, Bolsonaro não sabe distinguir um pé de soja de um pé de feijão e um frango de um urubu. Deixemos que fale quem entende: 
Podemos sim ter fechamento de mercado. Temos uma relação muito complicada com a Europa. Para criarem mais mecanismos para dificultar a entrada de carne de frango ou outros produtos do Brasil, é dois tempos. E, depois, para levantar isso é muito difícil, todo mundo está vendo.

Será que o acordo Mercosul-União Europeia corre riscos? Ele responde: 
No acordo tem uma cláusula de precaução que permite que a Europa barre importações do Brasil. Essas confusões ambientais poderiam criar uma situação para a UE dizer que o Brasil não estaria cumprindo as regras. E não duvido nada que a gritaria geral que a Europa está fazendo seja para não fazer o acordo. A França não quer o acordo. Talvez isso seja aproveitado para não se chegar ao acordo. Ou pode demorar mais tempo para o Parlamento Europeu ratificar o acordo – três, cinco anos.

Um dos mantras de Bolsonaro é que faria um governo "sem viés ideológico". Acho que ele não entendeu até hoje o sentido da expressão, que deve ter ouvido de alguém e adotou como divisa. Para ele, só existe "viés" quando se trata de discurso de esquerda. O de extrema-direita, que é o seu, ele toma como expressão do bom senso. 

Agora só falta os bolsominions chamarem Maggi de agente do comunismo internacional. Afinal, quem entende mesmo de exportação de carne e soja são, deixem-me ver, além do próprio Bolsonaro, os especialistas Olavo de Carvalho, Ernesto Araújo, Eduardo Bolsonaro, Ricardo Salles etc. Por que esse governo de iluminados daria bola a alguém como Maggi?

PRESSÃO JÁ COMEÇOU 

Em sua coluna desta segunda na Folha, informa Nelson de Sá: 
"Dois dos principais veículos alemães, a revista Der Spiegel e o jornal semanal Die Zeit, publicam que "É hora de sanções contra o Brasil", no título da primeira.

"A Europa não deve ficar de braços cruzados enquanto um preconceituoso cético da ciência, movido pelo ódio, sacrifica vastas áreas de floresta para pecuaristas e plantações de soja", diz a revista. Sob o título "Comece onde dói", o jornal se pergunta: "Que diferença faz cortar o dinheiro para conservar florestas de um governo que não tem mesmo qualquer interesse em conservar florestas?". E responde que "seria mais promissor começar num ponto que fere mais: os interesses econômicos de seus exportadores, por exemplo, os fazendeiros que vendem carne e soja em larga escala para metade do mundo". De imediato, questiona o acordo comercial ainda "preliminar" da União Europeia com o Mercosul: "Não pode haver novos incentivos para o desmatamento".

ALÉM DO HUMOR 
A crítica ácida na televisão alemã repete a feita por um outro programa na Holanda em novembro do ano passado, com ainda mais dureza. Bolsonaro é associado ao fascismo e à violência (ver abaixo). Pois é… Depois daquilo, ele tomou posse. E sua retórica se deteriorou.


É inegável que as condições do meio ambiente pioraram sob Bolsonaro. Até porque seu discurso incentiva, e ele deve saber disto, o desmatamento ilegal, a invasão de terras indígenas, o garimpo ilegal… 

Mas que se reitere: sua fala extrema o que já é ruim. Passa uma impressão ainda pior do que os fatos. E parece inútil qualquer esforço para conter um presidente falastrão e linguarudo. Afinal, ele governa para a sua seita. 

E, como alerta Blairo Maggi, o Brasil é apenas um dos produtores de alimentos do mundo, não o único. E de um mundo em desaceleração, que tende a comprar menos.

Quem vai pôr o guizo no pescoço do gato? 

Para encerrar, observe-se que o presidente se deixa cercar por alguns paranoicos, certos de que a grita internacional é só parte de uma grande tramoia para a internacionalização da Amazônia. O discurso do governo parece ser este: "Não tem essa! Antes que tentem internacionalizar, estragamos tudo nós mesmos, com incentivo ao desmatamento e ao garimpo ilegal".

O agronegócio que se cuide. Ou Bolsonaro lhe quebra as pernas. Será a paga pelo entusiasmo que o setor demonstrou pelo "Mito". 

A propósito: de onde vinha a esperança de que pudesse ser diferente? Algum produtor rural já viu jaqueira dar morangos, bugalho dar alho e joio dar trigo?

Por Reinaldo Azevedo

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