domingo, 18 de abril de 2010

Grupo é suspeito de prisões ilegais e tortura no interior de SP

Do G1, em Potirendaba



O Ministério Público de São Paulo apura denúncias de abusos de autoridade, ameaças de morte, agressões, torturas, toque de recolher, rachas com carros oficiais, forjamento de drogas, prisões ilegais e invasões a domicílios sem mandados judiciais em Potirendaba, a 443 km da capital paulista. Os crimes, segundo as denúncias, foram praticados por uma milícia armada apelidada de “Gangue do Topete”, formada por guardas municipais, policiais civis e militares que trabalham na cidade de 15 mil habitantes.

Recentemente, a prefeitura comprou dos Estados Unidos 11 pistolas de choque não letais para serem usadas pela Guarda Municipal, o que assustou ainda mais as vítimas da gangue. De acordo com a Coordenadoria de Segurança do município, a arma “age diretamente sobre o sistema nervoso central, paralisando a pessoa por alguns segundos até que o guarda consiga imobilizá-la”.

Entre os alvos dos “topetudos” estão moradores, trabalhadores rurais que vivem do cultivo e coleta da cana-de-açúcar, milho e café, além de pessoas suspeitas por tráfico de drogas ou que já tiveram passagens pela polícia. Todos temem que o aparelho, entregue oficialmente no dia 21 de março, seja usado de modo indiscriminado pelos guardas. Dos 16 homens treinados para utilizar a pistola, três são investigados por suspeita de tortura.

No dia 3 de março, o promotor Rodrigo Vendramine já havia pedido a instauração de inquérito policial na Delegacia Seccional da região de São José do Rio Preto para investigar irregularidades cometidas por agentes da força de segurança em Potirendaba. O procedimento foi aberto a partir de dez denúncias feitas à Ouvidoria das polícias e ao G1.

As corregedorias das polícias Militar e Civil também apuram o caso, mas no âmbito administrativo, porque os 13 suspeitos são funcionários públicos. A prefeitura informou que vai apurar as denúncias contra a Guarda Municipal. O comando da Polícia Militar em Potirendaba negou as acusações. O delegado da cidade e o responsável pela guarda não foram localizados para comentar o assunto.

Base da Polícia Militar em Potirendaba: policiais
são suspeitos de agredir pessoas

A reportagem esteve em Potirendaba e constatou que os seis policiais militares, quatro policiais civis e os guardas-civis municipais citados nas denúncias como suspeitos de cometer excessos durante as abordagens continuam a trabalhar nas ruas. Questionada, parte da população confirmou as denúncias de agressões.

Alguns cidadãos ainda elogiaram a ação policial na cidade ao justificar que a truculência reduzia o tráfico. Outros moradores criticam o que chamam de violência gratuita da polícia e encaminharam um abaixo-assinado com cerca de 50 nomes no início deste ano à Câmara Municipal. O documento pedia providências e foi entregue à prefeita Gislaine Montanari Franzotti (PMDB). Ela não foi localizada para comentar o assunto.

As denúncias foram feitas à Ouvidoria, por telefone e e-mail, no período entre 16 de dezembro de 2009 e 17 de fevereiro deste ano. As vítimas dos policiais e guardas são dois irmãos que afirmam ter apanhado, a mãe deles, uma testemunha que diz ter visto a agressão, a mulher de um ex-detento que reclama da casa invadida e um catador de material reciclável que alega ter sido torturado num canavial.

O G1 teve acesso às reclamações e conversou com quatro das seis vítimas identificadas no documento. Uma delas falou com a reportagem por telefone, as outras três aceitaram gravar entrevista com vídeo, mas por questão de segurança pediram para não terem suas imagens ou nomes divulgados.

Radialista foge da cidade

Mãe de radialista afirma que pessoas têm medo

de denunciar policiais e guardas

Marconi/G1)Um radialista de 36 anos afirmou por telefone ao G1 que abandonou Potirendaba e foi morar na capital do estado após ter sido agredido, detido injustamente com o irmão, um ciclista de 38 anos, e ficado preso com ele por um mês sob a acusação de tráfico.

“Ficamos no Centro de Detenção Provisória de São José [do Rio Preto] porque os policiais plantaram droga no meu carro. Tudo começou no dia 24 de outubro [de 2009]. Eu vi que policiais militares deram um cavalo de pau e atropelaram meu irmão, que estava de bicicleta. Depois, eles deram uma gravata nele e falaram para ele não passar por uma estradinha porque já era noite e ele devia estar em casa. Perguntei qual o motivo daquela agressão e os policiais partiram para cima de mim também. Me agarraram no pescoço, me bateram e desmaiei. Algumas testemunhas viram tudo. Depois fui levado à delegacia algemado e acabei preso sob a acusação de traficar drogas. Eu não fumo nem cigarro, nunca tive passagem pela polícia e a PM forjou 25 cápsulas de cocaína no meu carro. Depois fomos soltos”, relata o radialista, que responde ao processo de tráfico contra ele em liberdade.

A mãe do radialista, de 55 anos, recebeu a reportagem no local onde trabalha. Emocionada, chegou a chorar ao lembrar do momento em que viu os dois filhos presos no carro da polícia.

“Esses policiais do Bando do Topete são terroristas, arruaceiros. Eles ficam fazendo arruaça e fazendo terror na cidade. Eles abordam pessoas que não têm nada a ver. Eles seguem pessoas com o farol das viaturas apagado. Jogam a viatura em cima das pessoas. Eles querem fazer 'marvadeza', ganhar nome, subir de cargo. Faz 18 anos que moro aqui e meus filhos apanharam deles. Ficaram presos 30 dias. O mais velho estava morando numa chácara. Estavam seguindo com farol apagado. Derrubaram ele da bicicleta. Tem mais gente que está apanhando, mas muita gente tem medo denunciar”, disse a mulher.

Testemunha coagida


O servente de pedreiro de 22 anos já foi detido por desacatar um guarda civil municipal em 2008. Depois disso, afirmou ao G1 que viu policiais militares baterem em crianças numa praça de um bairro de Potirendaba. No dia 17 de fevereiro deste ano, ele afirmou que teve a casa invadida pela PM. Armados e usando gás pimenta, os policiais o agrediram e pediram para ele mudar o depoimento que daria na Corregedoria da PM.

“Os policiais viviam aqui no bairro agredindo todo mundo. Aí o radialista filmou a agressão contra a molecada. Eu vi e me coloquei como testemunha. Os policiais invadiram minha casa, disseram para eu mudar o depoimento senão matariam eu e minha família. Eu disse que não mudaria o depoimento e apanhei”, afirmou o servente, que ainda foi preso. “Os policiais me acusaram de agressão, ameaça e resistência à prisão.”

De acordo com o servente, ele não conseguiu registrar boletim de ocorrência na delegacia contra os policiais. “Me disseram que as vítimas eram eles [os policiais], e não eu.”

Dona de casa tem imóvel invadido
A dona de casa afirma que as invasões aos imóveis do bairro Buracão são rotina. Ela disse à reportagem que a PM entra sem qualquer mandado judicial nas casas.

“O Bando do Topete chega sem dó nem piedade. Bate o pé na porta da gente toda vez que alguém é roubado no centro da cidade. Acham que somos nós, só porque somos pobres. No meu caso é pior porque fico marcada por ser casada com um ex-detento. Ele trabalha hoje e já pagou o crime que fez na cadeia”, disse a jovem de 21 anos.

Parte da opinião pública do município está dividida: há quem apoie uma ação mais truculenta dos agentes de segurança. Procurados, os policiais militares negaram as acusações.

“Tem que apanhar mesmo”, disse a dona de casa Marli Ribeiro, 44. O sitiante Valter Manoel Pereira, 62, aprova a ação da polícia em Potirendaba.

Providências

O ouvidor das polícias, Gonzaga Dantas, informou que nenhum agente de segurança tem o direito de agredir suspeitos. “Todas as denúncias que chegarem serão encaminhadas aos órgãos competentes e vamos cobrar providências”, disse.

“Inicialmente pedi para apurar abuso de autoridade que pode estar ligado à suposta tortura, furto e direção perigosa”, disse o promotor Rodrigo Vendramine. “A população precisa de uma respostas porque mexeram nos maiores temores. Não posso confiar em quem devia confiar.”

O sargento Nilton Garcia de Oliveira, comandante da PM em Potirendaba, afirmou que as denúncias foram feitas por traficantes e negou as acusações.

“Quando eu pego um produto ilícito dentro da sua casa eu não preciso de mandado. Abordar pessoas na rua não pede mandado. Se eu entender que você está num local errado, na hora errada e seu comportamento for suspeito, eu vou te abordar. Isso é legal. É só pegar o Código de Processo Penal e ler. Independente de mandado. Eu conheço a Constituição, graças a Deus, eu sei quando eu posso e quando eu não posso entrar. Agora, se eu entrar na sua casa sem mandado e eu sair de lá com 1 kg de maconha ou não sei o quê, você está preso, meu amigo. Eu não preciso de mandado. Vai ser autuado, com certeza. Mas se eu entrar na sua casa, por livre e espontânea vontade, e não encontrar nada de ilícito, opa, aí eu cometi abuso. Nossa consciência está tranqüila. Não existe isso. Não há abuso nenhum, certo? Em nenhum momento. Nossas ações são legais. Eu sou formado em direito. Eu tenho 22 anos de policial. Então eu sei me conduzir e sei conduzir o trabalho da polícia”, afirmou o policial.

Procurada, a assessoria de imprensa da Polícia Militar condena incursões da PM em quaisquer residências sem mandado judicial, mesmo em casos de denúncias. A exceção à regra se faz em duas situações: quando houver flagrante de crime ou para prestar socorro a alguém.


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