quarta-feira, 3 de abril de 2024

Bolsonaro sem passaporte. E o estilo 'Olha o Lobo!' de exercitar a defesa



Ai, ai... Os defensores de Jair Bolsonaro resolveram desenvolver o estilo "Olha o Lobo" não exatamente de argumentação jurídica, mas de mobilização dos apoiadores do ex-presidente. Em que consiste? Apresentam-se petições à Justiça que se sabem, desde sempre, absurdas. Por isso, claro!, serão rejeitadas. Então para quê? Ora, para manter em efervescência a "massa". Não buscam convencer o Ministério Público ou o STF. Uma vez recusados os pedidos, então gritam: "Olha o lobo, olha o lobo..." E os "minions" se agitam. Como na fábula, haverá a hora em que ninguém mais vai dar bola? Sei lá. Nota: a defesa tem o direito de fazer, nos limites da lei, o que lhe dá na veneta. Não questiono. E eu tenho o direito de acusar o truque.

Como apontei ontem no "Olha Aqui", neste UOL, era evidente que o ministro Alexandre de Moraes, do STF, recusaria o pedido para a devolução do passaporte do ex-presidente, que pretendia viajar a Israel a convite de Benyamin Netanyahu. O carniceiro, de fato, anda a precisar de amigos. Além de Tarcísio de Freitas, Ronaldo Caiado e do próprio Bolsonaro, não sobrou mais ninguém para justificar a carnificina, a fome e a barbárie na Faixa de Gaza. A propósito: nesta quinta, a Corte Internacional de Justiça ordenou que Israel garanta a chegada de suprimentos à região e que "seus militares não cometam atos que constituam uma violação de qualquer direito dos palestinos em Gaza, tendo em vista a Convenção sobre Genocídio". Sim, a CIJ falou em "genocídio". Voltemos ao ponto.

O pedido da defesa era um acinte por duas razões básicas:
1: não cessaram os motivos da retenção do passaporte, decidida no dia 8 de fevereiro;
2: depois daquela data, ficamos sabendo que o destemido "Mito" decidiu usar a embaixada da Hungria como, digamos, um refúgio para seu desassossego entre os dias 12 e 14 do mês passado. Com que propósito? Instada a explicar os motivos, a defesa nada explicou e ainda complicou um tantinho, como demonstro aqui.

Há no conjunto da obra até uma nota de humor involuntário. Tentando demonstrar que Bolsonaro não pretendia evitar a aplicação da lei, com eventual pedido de refúgio, seus defensores apontaram uma suposta "falta de lógica" na suposição porque, afinal, quatro dias antes, o STF determinara justamente a retenção do passaporte. Para os argumentadores, isso representaria uma espécie de garantia de que ele não estaria sujeito a uma eventual prisão preventiva — razão por que não teria motivos para tentar se precaver. Ninguém entendeu a lógica de proposição tão singular — suponho que nem seus redatores.

De toda sorte, fazendo de conta que havia algum sentido naquilo, indago: se a retenção do passaporte era um elemento a eliminar a suposição de que o ex-presidente procurava evadir-se da aplicação da lei, que sentido haveria em devolvê-lo, hipótese, então, em que, segundo os argumentos da própria defesa, isso reforçaria a hipótese de que ele buscava maneiras de não ser alcançado pela lei? Isso, sim, é uma questão de lógica elementar.

Bem, o pedido foi obviamente indeferido. Resumiu o procurador-geral da República, com notável "estilo Didi", à moda folha seca:

"Não se tem notícia de evento que torne superável a decisão que determinou a retenção do passaporte do requerente. A medida em questão se prende justamente a prevenir que o sujeito à providência saia do país, ante o perigo para o desenvolvimento das investigações criminais e eventual aplicação da lei penal.

Os pressupostos da medida continuam justificados no caso.

O parecer é pelo indeferimento do pedido."

Ora, se a retenção do passaporte pretende justamente garantir o cumprimento da lei penal, por que ele seria devolvido? Teria de haver um motivo. Qual? As noites da folia húngara?, indago eu.

Escreve Moraes em sua decisão:

"As diligências estão em curso, razão pela qual é absolutamente prematuro remover a restrição imposta ao investigado, conforme, anteriormente, por mim decidido em situações absolutamente análogas (Pet 10.685/DF e Pet 10.872/DF).

Diante do exposto, nos termos do art. 282 do Código de Processo Penal, INDEFIRO o requerimento formulado por JAIR MESSIAS BOLSONARO."

Lembro o que dispõe o citado Artigo 282 do CPP:

"Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a:

I: necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais;

II: adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado."

Se algo mudou de 8 de fevereiro a esta data, convenham, tratou-se, dadas as noites de pijama com molho de páprica, de uma mudança contra o investigado, não a favor.

ENCERRO

Mas é preciso manter o estilo "Olha o Lobo", né? Pediu-se o impossível, o que se sabia que não seria concedido para que, agora, os bolsonaristas possam acusar Xandão, o Malvado, de, mais uma vez, estar tentando comer a pobre ovelhinha inocente...

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