domingo, 12 de março de 2023

Um roubo de joias encrencou D. Pedro II


Bolsonaro e Michelle Bolsonaro, durante cerimônia no Palácio do Planalto

Presente das Arábias que sujou imagem de Bolsonaro numa trama chinfrim tem paralelo em episódio, em março de 1882, que seria relevante no desmonte do mito imperial antes da proclamação da República

As joias das Arábias sujaram o caso do governo de Jair Bolsonaro numa trama chinfrim, com um colar numa mochila, um almirante-ministro tentando dar uma carteirada e um tenente-coronel do Palácio mandando um sargento para atropelar um auditor da Receita, sem sucesso.

Por pior que tenha ficado a situação do “mito” Bolsonaro, ele ainda está mais confortável que o imperador D. Pedro II, aquele monarca austero de barbas brancas e casacas negras. Numa conta fofoqueira, ele colecionou umas dez namoradas, entre as quais uma cunhada, mulher de seu irmão bastardo.

Enquanto rola a trama das Arábias, vale apena revisitar o roubo das joias da Casa Imperial, em março de 1882. A operação abafa custou caro a D. Pedro.

Depois do baile comemorativo de seus 60 anos, a Imperatriz mandou que um criado guardasse suas joias no palácio e subiu para Petrópolis. Dias depois, descobriu-se que as peças haviam sumido. Não só elas, mas também joias de sua dama de companhia e da princesa Isabel. Valiam entre 200 e 500 contos. A dotação orçamentária anual do imperador era de 800 contos, e um negro escravizado com habilidades custava perto de um conto de réis. Entre colares, brincos e pulseiras, os gatunos levaram mais de cem brilhantes.

No dia 21 de março, noticiou-se a prisão de três suspeitos. Um deles chamava-se Manoel de Paiva, irmão de um criado de D. Pedro II. Ele vivia na Quinta Imperial, em terreno que lhe havia dado o monarca. As joias foram achadas dentro de latas, enterradas num charco perto de sua casa.

Tudo mudou de figura porque, logo depois, os suspeitos foram libertados. A imprensa começou a tratar do caso com deboche, insinuando que o palácio havia montado uma operação para abafar o episódio. O palácio soltou uma nota esclarecendo que o imperador “jamais interveio direta ou indiretamente” no caso.

O primeiro golpe veio de José do Patrocínio, o republicano abolicionista. Ele começou a publicar um romance em capítulos, intitulado “A Ponte do Catete”. Nele, Leocádio de Bourbon tinha um criado que lhe arrumava amantes.

Logo depois foi a vez de outro jornal sair com o romance “As Joias da Coroa”. Seu autor era o jovem Raul Pompeia. Nele, o Duque de Bragantina, senhor da Quinta de Santo Cristo, tinha como alcoviteiro o amigo Manuel de Pavia. (Qualquer semelhança com Manoel de Paiva seria coincidência.)

Ao mistério da libertação dos gatunos juntou-se uma insinuação. Manoel seria o alcoviteiro de D. Pedro II e seu silêncio havia sido comprado com o relaxamento das prisões e o esquecimento do caso.

Num terceiro folhetim, “Um Roubo no Olimpo”, o teatrólogo Arthur de Azevedo foi explícito. Mercúrio, criado de Júpiter, ameaça-o dizendo que contará o que sabe.

A condessa de Barral foi profética:

Luísa de Barros Portugal, Condessa de Barral, namorada de D. Pedro II, escreveu-lhe de Paris:

“Longe de mim o pensamento que Vossa Majestade exercesse a menor influência sobre a marcha da polícia e da Justiça, mas soltarem os acusados sobre os quais pesam suspeitas tão graves, pelo mero fato de se terem achado as joias é uma flagrante imoralidade, e eu digo com não sei que jornal que na lama donde se tiraram os brilhantes, se enterrou a Justiça. Quem me dera poder conversar disso tudo com meu amigo e Senhor para saber toda a verdade, mas essa ventura nunca terei. (...) Repito que fiquei com nojo de tudo isso.”

Com razão, porque ela logo cairia na roda e se queixava:

“Já tardava que minha vez não chegasse, pois que a liberdade da imprensa de nossa terra não respeita a ninguém. Apesar de não querer me afligir com semelhantes coisas devo-lhe confessar que sinto certa curiosidade em saber o papel que vão me fazer representar num nojento pasquim da ponta do Catete e o que virá depois desta frase: amanhã é o dia da Condessa! (....) — Isso só se deveria levar a chicote, e se um dia não se punir severamente o libelista não sei onde irá parar a realeza e a Sociedade brasileira (...) Quem será o bicho peçonhento que escreve esses folhetins?

(Era José do Patrocínio.)

A essa altura o “Mequetrefe” abandonou os nomes fictícios e mencionou o imperador:

“É um dom Juan da força. Ninguém será capaz de acreditar que este homem com suas barbas apostólicas e cara de caju-banana, santarrão, vestido com desalinho (...) seja capaz de tanto. Ele é um homem de gosto. Tem um paladar muito delicado, gosta dos acepipes finos. É doido por um caldinho de franga (...) Afirma o Paiva, seu confidente, amigo e companheiro, nas misteriosas correrias noturnas.”

O roubo das joias foi um fator relevante no desmonte do mito imperial. Sete anos depois D. Pedro II foi deposto, José do Patrocínio formalizou a proclamação da República e Raul Pompeia assumiu a presidência da Academia de Belas Artes.

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