domingo, 26 de março de 2023

Bolsonaro não pode ficar impune



Há rumores de que a mudança de composição do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), com a aposentadoria do ministro Ricardo Lewandowski neste semestre, poderia favorecer o ex-presidente Jair Bolsonaro, que responde a várias ações na Justiça Eleitoral. O tema é sério, afetando não apenas a autoridade do Judiciário, mas o próprio funcionamento do regime democrático. A vigência da lei e, consequentemente, a sua aplicação não podem depender da composição específica de um tribunal.

É incontestável que Jair Bolsonaro cometeu crimes eleitorais e deve, portanto, ser punido por seus atos, a começar pela decretação de sua inelegibilidade. Além de ter descumprido as limitações legais próprias do período eleitoral no uso dos recursos públicos – valeu-se sem nenhum pudor da máquina pública em benefício próprio –, Jair Bolsonaro pôs em marcha a maior campanha de difamação da história contra o sistema eleitoral brasileiro. Essa campanha, que incluiu até mesmo o uso da posição de chefe de Estado para desautorizar o regime democrático nacional perante embaixadores estrangeiros, desembocou, entre outros danos, na resistência inédita de milhares de brasileiros ao resultado das eleições e nos atos do 8 de Janeiro. Também há indícios fortes de uso de órgãos de Estado, como a Polícia Rodoviária Federal, para fins eleitorais.

Em 2021, por muito menos, o TSE cassou o mandato do deputado estadual eleito pelo Paraná, em 2018, Fernando Francischini. A Corte entendeu que houve abuso do cargo público – na época, Francischini era deputado federal – por difundir, em benefício próprio, desinformação contra as urnas eletrônicas.

Em respeito à legislação brasileira e à jurisprudência do próprio tribunal, o TSE tem o dever de tornar inelegível Jair Bolsonaro. E deve-se acrescentar outro motivo, não menos importante: em respeito à moralidade pública e ao regime democrático. Há no caso uma questão primária de exemplaridade. Se depois de Jair Bolsonaro ter usado o mais alto posto da República em benefício próprio e contra as regras do sistema eleitoral a Justiça não torná-lo inelegível, sendo-lhe permitido continuar disputando eleições, tal impunidade será a desautorização extrema da Justiça Eleitoral. Além de dizer com todas as letras que o crime compensa, o TSE não terá nenhuma autoridade para aplicar a pena de inelegibilidade a mais ninguém. Significaria pôr, em um só ato, o manto da impunidade no mais alto estágio, alcançando todos os casos.

Por isso, respeitar a lei e a jurisprudência, sem tolerâncias seletivas com Jair Bolsonaro, é respeitar e defender a própria Justiça. Do mesmo modo que atacou o sistema eleitoral, o bolsonarismo vem ameaçando e atacando, de longa data, o Poder Judiciário. Agora, com o andamento dos processos contra Jair Bolsonaro no âmbito eleitoral, são patentes as tentativas de seus seguidores para desautorizar de antemão a Justiça Eleitoral, qualificando-a de política e parcial.

A melhor resposta a mais essa manobra é a aplicação serena da lei, sem atentar para o nome que consta na capa dos autos do processo. Tornar inelegível Jair Bolsonaro não é uma retribuição da Justiça pelos seus quatro anos de governo, tampouco uma espécie de contra-ataque do Judiciário contra os devaneios de um chefe do Executivo federal. O tema é mais simples e linear, menos conturbado e controvertido. É apenas a vigência do princípio basilar da República, a igualdade de todos perante a lei. Assim como qualquer outro brasileiro, Jair Bolsonaro não merece tratamento especial. A lei também vale para ex-presidentes da República, por mais populares que sejam.

É muito salutar, também como mensagem para os que ocupam agora cargos nas diversas esferas estatais, em concreto no Executivo federal, que nenhum abuso no exercício do poder público fique impune. O País precisa desse mínimo civilizatório. A lei deve prevalecer sempre, seja qual for a coloração ideológica do investigado ou a composição do tribunal. Jair Bolsonaro não é mito nem mártir. É um cidadão, que, como todos os outros, deve responder por seus atos.

Nenhum comentário: