De duas, uma: ou o clã Bolsonaro bolou uma estratégia genial, capaz de causar inveja às almas mais encrencadas da política, ou meteu-se numa tática desastrosa, enfiando a conta "atípica" de um motorista desgovernado para dentro do Palácio do Planalto.
Pela segunda vez em 48 horas Fabrício Queiroz, o correntista de R$ 1,2 milhão, faltou ao depoimento marcado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro. Na quarta-feira, ausentara-se por conta de uma "inesperada crise de saúde". Nesta sexta, alegou-se que teve de ser internado para "realização de um procedimento invasivo com anestesia".
Que procedimento? A defesa não informou. Nome do hospital? Nada. O médico? Nem sinal. Laudas e atestados? Quem sabe na semana que vem. Falsa ou verdadeira, a motivação não atenua as consequências. Enquanto Queiroz não abre o bico, continuam penduradas na conjuntura as palavras mais recentes de Bolsonaro sobre a encrenca:
1) "Temos um problema pela frente no caso do ex-assessor nosso que está com movimentação atípica. Deixo bem claro aqui: eu não sou investigado, meu filho Flávio Bolsonaro não é investigado. E, pelo que me consta, o senhor…, esse ex-assessor nosso será ouvido pela Justiça na semana que vem. A gente espera que ele dê os devidos esclarecimentos para o que vem acontecendo."
2) "Agora, se algo estiver errado —seja comigo, com meu filho ou com o Queiroz— que paguemos a conta deste erro. Não podemos comungar com erro de ninguém."
3) "O que a gente mais quer é que seja esclarecido o mais rápido possível, que sejam apuradas as responsabilidades —se é minha, se é do meu filho, se é do Queiroz. Ou de ninguém. Afinal de contas, o Queiroz também não estava sendo investigado."
Bolsonaro tem razão quando diz que "temos um problema pela frente". Quanto a quem está ou não sob investigação, recomenda-se ao capitão que se atualize. Fabrício Queiroz é investigadíssimo. Seu silêncio, por ensurdecedor, levou à fogueira o deputado estadual Flávio Bolsonaro (agora senador eleito).
O primogênito do novo presidente foi convidado pelo Ministério Público a depor no dia 10 de janeiro. Terá de explicar por que oito de seus assessores realizavam depósitos regulares na conta tóxica de Queiroz em datas contíguas ao dia do pagamento na Assembléia Legislativa do Rio.
Logo, logo o próprio Jair Bolsonaro terá de explicar em termos mais convincentes os R$ 24 mil que migraram da conta "atípica" do amigo Queiroz para a conta da futura primeira-dama Michelle Bolsonaro. Soou inverossível aquele lero-lero de que seria parte do pagamento de um empréstimo não-declarado de R$ 40 mil. Que foi parar na conta da mulher por falta de tempo do marido-presidente para ir ao banco.
Conforme já foi comentado aqui, o "faz-tudo" Queiroz pode seguir duas trilhas quando sua saúde ou a conveniência dos Bolsonaro permitir que preste depoimento. Numa trilha, o correntista toca fogo nas próprias vestes. Noutra, incendeia o circo da dinastia Bolsonaro. Por ora, as únicas novidades disponíveis sobre o caso são as seguintes: 1) O correntista piromaníaco continua sumido. Já lá se vão 15 dias. 2) O espetáculo da autocombustão foi transferido para os primeiros dias da Presidência de Jair Bolsonaro.
Por Josias de Souza
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