segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

Bolsonaro lava roupa suja na beira do tanque; vídeo divulgado por assessoria é populismo bobo; eleito mimetiza Lula com sinal invertido



Que interesse pode haver em um vídeo em que um homem lava roupa num tanque — segundo consta, roupa de mergulho? Bem, cumpre perguntar à assessoria de Jair Bolsonaro. O filme é de uma criatividade encantadora. Vê-se o presidente eleito, de bermuda cinza e camiseta azul, esfregando e torcendo duas peças. Em seguida, ele as dependura no varal.

Não há texto, não há contexto, não há nada. Nem romance sueco pós-moderno é tão minimalista. É pena que Lars Gustaffson, que escreveu “A Morte de um Apicultor”, não vá poder saborear a cena porque se foi em 2016. A rotina de Lars Westin, o apicultor que é personagem de seu romance, pareceria novela de cavalaria comparada ao vídeo que veio a público.

Bem, a coisa não teria interesse nenhum não fosse o fato de que se trata do presidente eleito. Opa! Esperem aí: aumenta a fata de importância, não é mesmo?

A intenção parece clara: demonstrar que Bolsonaro é um homem comum, simples, desapegado, que leva uma rotina como a nossa. Ele também lava roupa. E, creio, tenta-se demonstrar, adicionalmente, que não é machista. Quando John Bolton o visitou nem sua casa, no Rio, todos vimos a mesa bagunçada do café…

Bolsonaro passou o domingo numa área da Restinga da Marambaia, no Rio, que é administrada pelas Forças Armadas. É a região onde os torturadores e assassinos desovaram o corpo do deputado Rubens Paiva.

O eleito está com uma bolsa de colostomia e não pode mergulhar. Não se sabe de quem era a vestimenta que lavava.

Se um presidente assim o quiser, nunca tocará num trinco de porta porque alguém se encarrega de abri-la. Também não precisa gastar um miserável tostão com alimentação ou administração do lar porque o poder público se encarrega desses custos. Percebam o aparato de pessoas e veículos de segurança que acompanha Bolsonaro a cada vez que ele se desloca. O filme divulgado é demagogia populista. Há um exército de mordomos invisíveis cuidando de Bolsonaro e de sua família. A menos que ele não resista a um tanque ou que considere uma distinção moral lavar roupa, é evidente que há um batalhão que pode fazer isso por ele.

Espero que resistam à tentação de filmá-lo fazendo faxina nos palácios da Alvorada e do Planalto a partir de 2 de janeiro.

Poucos se dão conta de que Bolsonaro tenta ser uma espécie de Lula no espelho. Também o presidente petista gostava de exibir a sua simplicidade, a sua origem humilde, o seu desapego, a sua informalidade. Ao mesmo tempo, não perdia uma só oportunidade de exibir os supostos marcos inaugurais de seu governo.

Bolsonaro mimetiza Lula — e o próprio general Augusto Heleno já destacou em entrevista essa proximidade, embora, claro!, tenha criticado o petista. Mas, como resta evidente, o presidente eleito espelha — e, pois, inverte — o sinal ideológico. Chegou a vez da versão de extrema-direita do homem do povo.

Para quem caça metáforas, uma fica à solta na imagem: Bolsonaro está lavando roupa suja. De quem?

Por Reinaldo Azevedo

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