Michelle manda tirar obras sacras do Alvorada; atitude lembra a destruição dos Budas de Bamiyan
É uma vergonha! Se não houver um recuo, obras sacras serão retiradas do Palácio da Alvorada, futura morada do casal Bolsonaro, porque Michelle, primeira-dama a partir de 1º de janeiro, não as quer lá. Evangélica da Igreja Batista, ela se indispôs com a temática religiosa das obras de arte, de inspiração católica. A notável senhora deve considerar que tais manifestações são incompatíveis com a sua crença. Trata-se de um despropósito, de um despautério, de uma agressão à pluralidade, às artes, à cultura, à história e à tradição brasileiras. Qual é a diferença entre a decisão de Michelle e a dos terroristas dos Taliban, que mandaram dinamitar os dois Budas de Bamiyan, no Afeganistão? Em essência, nenhuma. É apenas de grau. Sim, claro!, o destino das obras é outro: Michelle mandou tirar da sua vista; os terroristas deram um fim nas esculturas do Século V, que precediam a existência do próprio islamismo. Então o que há em comum? As duas posturas se caracterizam por intolerância religiosa e acreditam que seu Deus, ou sua forma de entendê-lo, deve ter um poder normativo que apaga até a história do país em que atuam.
Michelle vai despejar do Alvorada anjos barrocos, Santa Bárbara e mais 3 santos. Mourão vai abrigá-los
Vamos ver. Há um par de anjos barrocos na Biblioteca, que será certamente o setor menos frequentado do Palácio da Alvorada. Eu a conheço. Há preciosidades por lá. Nos anos petistas, não foi o lugar mais lustrado pelos sapatos do poder. Não será também desta feita. As origens históricas da Igreja Batista, a original, se confundem com o Barroco, no século XVII. Não havia se manifestado, até o advento de Michelle, a incompatibilidade entre eles — ao menos como manifestações, ambas, da cultura. Mas, acreditem, teremos um governo destinado a assombrar o mundo.
Quatro imagens de santos também serão despejadas do Palácio da Alvorada para poder abrigar Michelle e sua fé excludente. Estão no salão de Música e de Estado. Uma delas é uma Santa Bárbara entalhada em madeira, do século XVIII. Irá, com as demais obras sacras, para o Palácio do Jaburu, residência oficial do vice-presidente — e, pois, a ser ocupada pelo general Hamilton Mourão e sua mulher, que são católicos. Ele receberá as obras de bom grado, em especial a santa, que é padroeira da artilharia, arma a que pertence. Mas a intolerância também chega ao Palácio do Planalto, sem a participação de Michelle, até onde se sabe.
Eleito vai despejar, aí do Palácio do Planalto, “Orixás”, de Djanira, um dos ícones da pintura brasileira
O saguão do segundo andar da sede do Executivo exibe a obra “Orixás”, da pintora brasileira Djanira (1914-1979), nome de relevo entre os pintores brasileiros mais reputados em todos os tempos. Há quem não goste, claro! Mas Djanira é parte da nossa história e tem obra no acervo permanente no Museu do Vaticano. Não serve aos olhos exigentes de Jair Bolsonaro e seus pensadores. Também a Djanira será despedida do Planalto — o presidente eleito deve considerar que esse papo de “Orixás” é concessão ao politicamente correto. O destino da obra pode ser o MASP (Museu de Arte de São Paulo). Sim, certamente será vista por mais gente e por olhos mais competentes. Mas isso não minimiza as manifestações evidentes de intolerância. Daqui a pouco começa o show de desconversa: “Ah, não é bem isso…” Ou: “Não há preconceito nenhum nas escolhas”.
Por Reinaldo Azevedo
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