segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

Caso Coaf exige reação urgente de Sergio Moro



Até onde a vista alcança, não há no episódio sobre a movimentação bancária suspeita do ex-motorista do primeiro-filho Eduardo Bolsonaro nenhum bom exemplo. Mas o Caso Coaf é um bom aviso. O brasileiro foi avisado do seguinte: enquanto as coisas não estiverem acomodadas em pratos asseados, o compromisso de Jair Bolsonaro de inaugurar uma gestão implacável com os malfeitos vale apenas até certo ponto. O ponto de interrogação.

Prestes a assumir um Ministério da Justiça turbinado, com o premonitório reforço do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), órgão que farejou a vaivém "atípico" de R$ 1,2 milhão, Sergio Moro está, por assim dizer, obrigado a dizer meia dúzia de palavras sobre o episódio. A presença da futura primeira-dama Michelle Bolsonaro no epicentro da crise indica que o pior excesso que o ex-juiz da Lava Jato pode cometer é o da moderação. Seu silêncio é simplesmente inaceitável.

O próprio Moro fixou as balizas para o comportamento que se espera dele. Fez isso ao declarar coisas assim: "Eu não assumiria um papel de ministro da Justiça com o risco de comprometer a minha biografia, o meu histórico." Ou assim: "Eu defendo que, em caso de corrupção, se analisem as provas e se faça um juízo de consistência, porque também existem acusações infundadas, pessoas têm direito de defesa. Mas é possível analisar desde logo a robustez das provas e emitir um juízo de valor. Não é preciso esperar as cortes de Justiça proferirem o julgamento."

Pois bem. Moro foi guindado à Esplanada graças ao "histórico" de magistrado implacável que ajudou a arrancar do Brasil a logomarca de país da impunidade. Não há como grudar nos indícios colecionados pelo Coaf a pecha de "acusações infundadas". E as primeiras manifestações dos Bolsonaro —pai e filho— constituem o início do exercício do sacrossanto "direito de defesa". Tomados pelas palavras, o senador eleito Flávio Bolsonaro e futuro presidente Jair Bolsonaro parecem não ter enxergado nada de anormal na atipicidade que transformou a conta do ex-motorista Fabrício Queiroz em matéria-prima para o Ministério Público Federal.

O diabo é que, diante das tentativas de explicação e dos dados que se encontram pendurados nas manchetes, nada tornou-se uma palavra que ultrapassa tudo. De modo que Moro haverá de concluir que "não é preciso esperar as cortes de Justiça proferirem o julgamento" para emitir um primeiro "juízo de valor". O mínimo que o ex-magistrado precisa declarar, para não "comprometer a biografia" que construiu, é que há sobre o palco um déficit de transparência.

Em política, todo o mal começa com as explicações. O que um político faz para explicar uma má notícia é o que deixou de fazer por convicção ou precaução. Mas há males que vêm para pior. Isso ocorre quando as explicações são insatisfatórias. A encrenca que veio à luz com o relatório tóxico do Coaf, produzido no contexto de uma investigação sobre corrupção na Assembleia Legislativa do Rio, exige a transparência de um cristal. E o que se tem, por ora, é a transparência de um copo de requeijão.

Ou Moro informa ao país que enxergou o óbvio ou passará a frequentar a cena como uma espécie de sub-general Mourão, pois o vice-presidente eleito Hamilton Mourão já declarou: "O ex-motorista, que conheço como Queiroz, precisa explicar a transação, tem que dizer." Sobre os R$ 24 mil que foram parar na conta de Michelle Bolsonaro, Mourão afirmou que o marido-presidente "colocou a justificativa dele. Ele já disse que foi um empréstimo." O general acrescentou: "O Queiroz precisa explicar agora."

Conforme já foi comentado aqui, a alegação de Jair Bolsonaro de que a cifra repassada a sua mulher é parte do pagamento de empréstimos de R$ 40 mil que fez ao ex-motorista do filho tem a solidez de um pote de gelatina. Flávio Bolsonaro, por sua vez, disse ter ouvido do ex-assessor uma "história bastante plausível" sobre o montante de R$ 1,2 milhão movimentado atipicamente. Mas perdeu a oportunidade de definir "plausível" no instante em que afirmou: "Eu não posso dar detalhes aqui, porque é o que ele vai falar para o Ministério Público."

Neste domingo, Jair Bolsonaro ecoou o filho. Numa entrevista em que minimizou o fato de pelo menos oito assessores de Flávio Bolsonaro terem realizado depósitos na conta de Fabrício Queiroz, o presidente eleito declarou que é o ex-motorista quem "tem que explicar" o que parece inexplicável. O problema é que, desde que os dados do Coaf vieram à luz numa notícia do Estadão, já se passaram 120 horas (pode me chamar de cinco dias). E Fabrício, personagem que os Bolsonaro chamam de "amigo", ainda não convocou os holofotes para compartilhar com os brasileiros sua "história bastante plausível."

Diante do sumiço do "amigo", a família Bolsonaro, sempre tão loquaz, revela-se intelectualmente lenta no provimento de explicações, moralmente ligeira nas conclusões sobre a normalidade dos indícios e politicamente devagar na avaliação do estrago que o caso produz. Qualquer dessas velocidades é um insulto à inteligência alheia. A ofensa será maior se Sergio Moro imaginar que pode assistir a tudo com o distanciamento de um scholar entretido com o paradoxo de um presidente que se enrola antes da posse depois de se eleger enrolado na bandeira da moralidade. A conjuntura exige do ex-juiz da Lava Jato uma reação urgente. Nem que seja uma cara de nojo.

Por Josias de Souza

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