O Conselho de Controle de Atividades Financeiras abriu um talho na imagem de político ético que Jair Bolsonaro cultivou durante a campanha eleitoral. A má notícia é que a estampa do novo presidente sofre um processo de sangramento a 48 horas de sua diplomação no Tribunal Superior Eleitoral. A péssima notícia é que as explicações fornecidas por Bolsonaro não estancaram o princípio de hemorragia.
Bolsonaro foi atingido pelos estilhados da dinamite do Coaf porque o órgão que ele decidiu transferir da pasta da Fazenda para a área de Sergio Moro, na Justiça, citou num relatório oficial o nome de sua mulher, Michelle. Fabrício
Queiroz, um ex-assessor do senador eleito Flávio Bolsonaro, foi pilhado com movimentação bancária suspeita de R$ 1,2 milhão em apenas um ano. E a futura primeira-dama Michelle Bolsonaro foi aquinhoada com R$ 24 mil.
Com um atraso de mais de 24 horas, Bolsonaro esboçou uma explicação. Em conversa com o site O Antagonista, declarou: "Emprestei dinheiro para ele (Fabrício Queroz) em outras oportunidades. Nessa última agora, ele estava com um problema financeiro. E uma dívida que ele tinha comigo se acumulou. Não foram R$ 24 mil, foram R$ 40 mil. Se o Coaf quiser retroagir um pouquinho mais, vai chegar nos R$ 40 mil."
Bolsonaro disse ser amigo de Fabrício. Contou que ele fez dez cheques de R$ 4 mil. Admitiu que poderia ter depositado os cheques em sua própria conta. Alegou que o dinheiro foi parar na conta de Michelle Bolsonaro porque ele "não tem tempo de sair." As alegações do presidente que se elegeu enrolado na bandeira da moralidade têm a consistência de um pote de gelatina.
No mundo das pessoas comuns, empréstimos de R$ 40 mil costumam ser documentados em contratos de mútuo ou em notas promissórias. Admita-se que a amizade de Bolsonaro com o ex-assessor de seu filho mais velho fosse tão profunda que ele dispensasse as formalidades. Neste caso, Bolsonaro prestaria um enorme favor a si mesmo se respondesse a pelo menos quatro perguntas que estão boiando na atmosfera:
1. Se Bolsonaro emprestou R$ 40 mil para Fabrício, por que seu nome não aparece no rol de pessoas que fizeram depósitos na conta do ex-assessor de Flávio Bolsonaro?
2. Supondo-se que o capitão tenha preferido realizar os empréstimos de uma forma mais primitiva, em dinheiro vivo, de onde saíram os recursos?
3. Em plena era da automação bancária, por que diabos o amigo Fabrício não abriu o aplicativo do smartphone para efetuar o pagamento das parcelas do alegado empréstimo por meio de simples transferências eletrônica?
4. Admitindo-se que Fabrício seja avesso à internet e que Bolsonaro, por atarefado, não tem mesmo "tempo de sair", por que o capitão não ordenou a um dos inúmeros assessores do seu gabinete na Câmara que fosse à agência bancária para realizar os depósitos em sua conta?
Flávio Bolsonaro também balbuciou uma tentativa de resposta para a movimentação bancária esquisita do do ex-assessor. "Fui cobrar esclarecimentos dele sobre o que estava acontecendo. A gente não tem nada a esconder de ninguém. Ele me relatou uma história bastante plausível."
O filho do presidente eleito prosseguiu: Fabrício "me garantiu que não teria nenhuma ilegalidade nas suas movimentações. Portanto, ele, assim que for chamado ao Ministério Público, vai dar os devidos esclarecimentos. Só que, quem tem que ser convencido não sou eu, é o Ministerio Público."
Considerando-se que o primeiro-filho declarou que "a gente não tem nada a esconder de ninguém", poderia ter esmiuçado a "história bastante plausível" que o ex-assessor lhe contou. Entretanto, quando indagado, Flávio Bolsonaro preferiu desconversar: "Eu não posso dar detalhes aqui, porque é o que ele vai falar para o Ministério Público. Então, o Ministério Público é que vai ter que ouvir e se convencer ou não."
O tempo de uma apuração do Ministério Público não coincide com o tempo da política. O fluxo do sangramento que escorre da imagem de Bolsonaro aumentará na proporção direta da demora em providenciar o torniquete. O quadro é preocupante. Afinal, não foi ninguém da oposição que bisbilhotou a conta bancária sob suspeição. Quem produziu o relatório foi a turma do Coaf, um órgão que, dentro de poucos dias, estará sob o comando do ex-juiz da Lava Jato.
Por Josias de Souza
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