Os vinte e um anos de regime militar produziram efeitos colaterais que até hoje prejudicam o Brasil. O que para muitos foi um golpe preventivo que impediu a tomada do poder pelos comunistas que buscavam uma ditadura à esquerda, trouxe, segundo minha teoria, danos que até hoje não foram devidamente assimilados.
Os militares tomaram o poder em Março/64 e não largaram o osso como haviam prometido por ocasião do golpe. O recrudescimento do regime a partir do AI-5, instaurado no governo de Costa e Silva em 13/12/1968 sacramentou o que seria um longo e tenebroso inverno para a democracia brasileira, de consequências infelizes sentidas até hoje.
Primeiramente, a ditadura militar sufocou por duas gerações o surgimento de novas lideranças políticas relevantes, com raras exceções que cresceram na oposição moderada ao regime, tal qual Ulisses Guimarães, ou como alternativa civil, tipo Paulo Maluf. Em um horizonte de duas décadas, é muito pouco. A alternância de poder, importante para o amadurecimento das instituições democráticas, não existiu, criando o estigma do opressor e do oprimido.
As vítimas do regime, derrotadas na luta pelo poder, conquistaram gradualmente a universidade, os centros acadêmicos, as redações de jornais, as cochias dos teatros, os bastidores dos espetáculos. A ditadura uniu a oposição à esquerda na causa comum de combate ao opressor. Com isso, plantou o embrião que nas décadas seguintes à queda do regime conquistaria a mente e os corações da dita intelectualidade nacional. Tanto que exceto o acidente de percurso chamado Fernando Collor, todos os presidentes eleitos no Brasil foram originários de movimentos à esquerda do espectro político. Floresceram e ganharam relevância graças ao monopólio militar que pela força não permitiu que experiências malfadas quebrassem o encanto conceitual que exerciam sobre os segmentos mais informados da população.
E quando se diz que a direita comandou o Brasil nesse período, comete-se um erro de avaliação. Muito embora conservadores nos costumes, o ideario econômico do regime militar, de cunho nacionalista e desenvolvimentista, em alguns momentos quase xenófobo, é a antítese do pensamento liberal e se aproxima muito da visão de mundo petista da atualidade. Quem não lembra da reserva de informática adotada no começo dos anos 80, uma das decisões mais desastradas da nossa história recente? Foi no governo militar ao melhor estilo Dilma Roussef. O capitalismo de compadre, que viveu seu apogeu na era Lula, também foi concebido pelos generais, período onde o empresariado praticava o ‘beija mão’ sem cerimônia. Grandes campeões nacionais foram eleitos pela ditadura, tal qual ocorreu 30 anos depois. A única diferença é que os do passado não terminaram presos. O que dizer das múltiplas estatais, sonho de consumo dos esquerdistas contemporâneos? Multiplicaram-se como coelhos no período militar, e são cultuadas até hoje como patrimônio público pela esquerda. Em 2017, a palavra ‘privatização’ é demonizada em programas políticos, como se a população se beneficiasse da presença de estatais na economia. Poucos são capazes de levantar sua bandeira sem temer represálias.
A ditadura militar, ao mesmo tempo em que se converteu no cemitério do liberalismo econômico, foi o grande propulsor do pensamento esquerdista no Brasil e co-patrono da mentalidade do estado gigante e intervencionista, herança original do caudilho Getúlio Vargas.
Não bastasse isso, nossa Constituição, repleta de direitos e salvaguardas aos políticos, como a excrescência do foro privilegiado, ganhou essa forma principalmente pelo fato do país ter atravessado mais de duas décadas sob liberdade vigiada e direitos políticos constantemente ameaçados. O regime militar também é pai do foro especial para a politicalha.
Enfim, mesmo com seu ocaso definitivo em 1985, a ditadura ainda é nociva ao Brasil: o hiato de lideranças que deixaram de surgir, o liberalismo econômico defendido por poucos economistas ‘exóticos’, o esquerdismo que prosperou no cabresto e praticamente monopolizou a ‘intelectualidade’, o foro privilegiado aos políticos, endossado por uma Constituição receosa de que os tempos de liberdade limitada retornassem. Tudo concebido na era dos quartéis.
Eu não tenho dúvidas de que a ditadura foi o período mais sombrio de nossa história. O país ainda não se libertou de suas amarras e talvez nunca consiga fazê-lo. Ela doutrinou o brasileiro em seu amor pelo estado grande e paternalista. E aqui estamos nós, 32 anos depois, debatendo temas que já deviam ter sido superados. E ainda tem gente que defende a volta dos militares…
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