quinta-feira, 9 de julho de 2015

Presidido por réu, Senado vira Casa da galhofa


A Justiça Federal de Brasília aceitou denúncia feita pelo Ministério Público Federal contra Renan Calheiros. Nesse processo, o senador é acusado de enfiar no Orçamento da União emendas que favoreceram a construtora Mendes Júnior. Em troca, um lobista da empresa bancou o custeio de uma filha que Renan teve em relacionamento extraconjungal com uma repórter. Com isso, o Senado da República passa a ser presidido por um réu.

Renan comanda o Senado pela quarta vez. A cada nova recondução, os senadores entregaram o comando a um Renan diferente. Primeiro, um presidente improvável. Depois, um presidente impensável. Na sequência, um presidente inaceitável. O Renan re-re-re-reeleito em fevereiro passado com o decisivo apoio de Dilma Rousseff é o mesmo Calheiros de sempre. O que mudou dessa vez foi o Senado, convertido pela reincidência em Casa da Galhofa.

Os vínculos monetários entre Renan e a Mendes Júnior vieram à luz em 2007. Os senadores tiveram, então, a oportunidade de cortar Renan pela raiz, passando-lhe na lâmina o mandato. Mas armou-se uma pantomima: em troca da preservação do mandato, Renan renunciou à presidência do Senado. E seus pares deram crédito à versão segundo a qual o dinheiro repassado por Renan à ex-amante viera da venda de gado.

Os senadores decidiram se fingir de bobos pelo bem da República. Proliferavam as evidências de que a defesa de Renan não parava em pé. Mas não convinha arriscar a estabilidade do Legislativo em nome da verdade. Então, ficou combinado desde essa época que nada tinha acontecido. E o Senado, habitat natural de vetustas figuras, passou a conviver com uma boiada de dúvidas.

O gado de Renan transita invisível pelo gabinete da presidência, pelo salão azul, pelo cafezinho, pelo plenário. De vez em quando, alguém pisa no rabo de uma vaca, arrancado-lhe um mugido. Foi o que sucedeu no final de janeiro de 2013, dias antes de o Senado reconduzir Renan à presidência pela terceira vez, com o apoio de Lula.

O então procurador-geral da República, Roberto Gurgel, protocolou no STF uma denúncia contra Renan. Acusou-o de peculato, falsidade ideológica e uso de documento falso. O relator do caso é o ministro Luiz Edson Fachin, recém-chegado ao Supremo. O processo envolve os mesmos fatos que acabam de fazer de Renan um réu. A diferença é que uma ação é penal e a outra é cívil, por improbidade.

Afora os mugidos que soam desde 2007, Renan responde a três inquéritos nascidos da Operação Lava Jato. Foram abertos no STF em março, pouco depois da quarta recondução de Renan à chefia do Senado. Procurado nesta quarta-feira para se manifestar sobre sua nova condição de réu, Renan preferiu não falar. Nem precisa.

Já está entendido que, para o Senado, os fatos relacionados a Renan não são morais nem imorais. São apenas dados de uma proeza: Renan dissociou-se de suas próprias ações. Mantém-se incólume a si mesmo.

À plateia resta concordar com uma velha tese de Dostoiévski: se Deus não existe, tudo é permitido. Se Renan continua na presidência do Senado, extinguem-se todos os valores éticos e morais.

Num instante em que o mandato de Dilma Rousseff está sob questionamento, você talvez devesse considerar a hipótese de rezar pela saúde de Michel Temer. A presença de Eduardo Cunha e de Renan Calheiros nas presidências da Câmara e do Senado coloca no terceiro e quarto lugar na linha de sucessão o lamentável e o abominável. Se preferir, você pode tentar um suicídio. Tudo é permitido.

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