sábado, 16 de dezembro de 2023

Sai presidencialismo de coalizão, entra parlamentarismo de coação

 

Fachada do Congresso Nacional. Foto: Pedro França/Agência Senado Imagem: Fachada do Congresso Nacional. Foto: Pedro França/Agência Senado

A gangorra legislativa que leva os parlamentares a aprovarem propostas econômicas caras ao ministro Fernando Haddad em plena sexta-feira (aqui e aqui), um dia depois de derrubar vetos de Lula, escancara uma nova realidade nas relações entre os poderes Executivo e Legislativo. Foi-se o presidencialismo de coalizão, no qual os presidentes entregavam ministérios aos partidos em troca de vitórias no Legislativo. Sob Lula 3, consolidou-se o parlamentarismo de coação.

Nesse modelo, semeado na fase das emendas secretas de Bolsonaro, os parlamentares se apropriam de nacos cada vez maiores do Orçamento federal sem a garantia de contrapartida. Entregam ao governo apenas o suficiente para não matar a galinha dos ovos de ouro que acomodaram dentro das arcas do Tesouro. Noutros tempos, o tilintar de cargos e verbas resultava em apoio congressual. Hoje, para aplicar o seu programa, o Planalto minoritário precisa premiar até a infidelidade.

Nesta semana, o ministro Carlos Fávaro (Agricultura), tornou-se uma espécie de símbolo da degeneração das relações entre Executivo e Legislativo. Reassumiu a cadeira de senador a pretexto de ajudar a aprovar a indicação de Flávio Dino para o Supremo. Esticou a permanência no Senado para votar contra o governo, associando-se ao bloco suprapartidário que derrubou o veto de Lula ao projeto de lei que recriou um marco temporal para a demarcação de terras indígenas.

A volta de Fávaro ao gabinete da Esplanada, como se nada tivesse ocorrido, expõe o miolo da perversão. Numa evidência de que toda infidelidade será consentida e recompensada, congressistas de partidos presumivelmente governistas que ajudaram a impor derrotas a Lula participam de um arrastão orçamentário de final de ano. O governo distribui verbas para reduzir os danos das derrotas com a aprovação de projetos remanescentes de sua agenda econômica.

Às vésperas do Natal, o Planalto assegura o pagamento de 100% das chamadas "emendas pix". Coisa de R$ 7,6 bilhões. Nessa modalidade, verbas federais migram dos ministérios para as prefeituras sem o inconveniente da análise prévia dos projetos. Parte da transferência vira corrupção. O governo se cormprometeu também a liquidar oportunamente faturas que adormecem na rubrica "restos a pagar" desde a gestão Bolsonaro.

No mais, foram retiradas do rol de despesas sujeitas a bloqueio no ano que vem R$ 11 bilhões em emendas de comissões temáticas do Legislativo. É por essa via que o centrão deseja escoar em 2024 as verbas que eram chamadas de orçamento secreto na gestão passada.

Somando-se a verba que escoará via comissões às emendas de bancadas e individuais, cujo pagamento é obrigatório, o bolo orçamentário que será controlado pelos congressistas no Ano Novo soma notáveis R$ 48 bilhões. A cifra está prevista na proposta de Lei de Diretrizes Orçamentárias, que serve de base para a elaboração do Orçamento federal de 2024.

O processo que converteu o pagamento das emendas orçamentárias de opcional em obrigatório foi iniciado no segundo mandato de Dilma Rousseff, numa época em que dava as cartas na Câmara o ex-deputado Eduardo Cunha, mentor político de Arthur Lira, atual chefe da Casa e condestável do centrão. A obrigatoriedade da execução das emendas deu autonomia aos parlamentares.

A derrubada de vetos não foi a única derrota imposta a Lula. Há dois meses, aliados hipotéticos se uniram à ala bolsonarista do Senado para rejeitar a indicação de Igor Roque, que o presidente havia escolhido para chefiar a Defensoria Pública da União. Ele havia organizado na Defensoria um seminário para discutir o aborto.

Em maio, numa articulação capitaneada por Arthur Lira, a Câmara derrubou trechos de decreto editado por Lula para alterar a lei que regulamentou o marco do saneamento básico, aprovada sob Bolsonaro. Antes, ao aprovar a medida provisória editada por Lula para repaginar a Esplanada dos Ministérios, o Congresso esvaziou o Ministério do Meio Ambiente, lipoaspirando os poderes da ministra Marina Silva.

Em vez de atenuar os poderes do centrão, as derrotas vitaminaram o bloco. Lula viu-se compelido a entregar novos cofres ministeriais aos partidos do grupo comandado por Lira. Cedeu também o comando da Caixa Econômica Federal. Simultaneamente, o Planalto manteve o escoamento das emendas orçamentárias.

Na prática, a conversão do presidencialismo de coalizão em parlamentarismo de coação resulta em duas perversões institucionais. Numa, o Congresso mitiga os poderes do presidente da República sem alterar o regime consagrado na Carta de 1988. O parlamentarismo já foi rejeitado pelos brasileiros em dois plebiscitos: em 1963, o presidencialismo prevaleceu por 77% a 17%. Em 1993, foi mantido por 55% a 25%.

Noutra perversão, os parlamentares assumem a execução de um pedaço do Orçamento sem responder pelo desvio das verbas e pelo fracasso da implementação das políticas públicas. Ninho dos principais desvios, a Codevasf foi terceirizada ao centrão por Bolsonaro. Lula manteve na estatal os mesmos infiltrados. Novos velhos tempos. Tempos estranhos.

Um comentário:

AHT disse...

GOVERNO CENTRAL LULONARISTA

Governos Lula + Dilma = 4 mandatos saciando o Centrão.
Os escândalos do Mensalão e Petrolão estão no passado.
Vibramos com a Operação Lava Jato? Sim, foi em vão.
E os condenados pela Lava Jato? Apenas faz-de-conta:
Retornaram às ruas e à Praça dos Três Poderes.
Novos entendimentos e tudo desfizeram. Como pode isso?
O eleitorado? Elegeu Bolsonaro negacionista e golpista.

Centrão? Nada republicano, um mafioso poder moderando
Extremos desvirtuados e também ávidos pelo poder total.
No entanto, o Centrão concentra o suprassumo da má e
Trevosa política brasileira, uma mistura de sumos abjetos.
Realmente, o Centrão cresceu, justamente, nos governos
Aloprados e escandalosamente corruptos do lulopetismo.
Lula voltou e, incrível!, graças ao próprio Bolsonaro!

Lula, o ex-preso, foi eleito por votos que seriam do Mito,
Um desastrado Capita que só conseguia pensar em golpe.
Lula eleito, e o oportunista Centrão, o maior vencedor.
O Brasil necessitando de urgentes reformas, e o Centrão,
Nem aí com a tragédia: travas e bilionárias destravas em
Acordos por verbas do Orçamento e cargos, ao ponto de
Reunir no governo até alguns oponentes bolsonaristas.
Impassível, o confiante Centrão sob um Lira nada lírico,
Segue ganhando todas as paradas de maléficos sucessos.
Todo o Brasil assiste, abobalhado que foi por fake News.
A nação já não chora. Esperançosa, até ri de vergonha.

08/11/2023