quinta-feira, 14 de dezembro de 2023

Atuação de Dino honra o direito; vexame de Marinho prova o vazio da direita


David Alcolumbre (União-AP), presidente da CCJ do Senado, Flávio Dino e Rogério Marinho (PL-RN), o senador que parece ter medo de seu passado de homem sensato, o que é um evento raro, sem dúvida

A sabatina de Flávio Dino e Paulo Gonet na Comissão de CCJ do Senado transcorre em clima mais ameno do que se esperava. O placar na comissão e o resultado do plenário revelarão se estamos diante do silêncio de conspiradores que se escondem no "breu das tocas" ou se, de fato, é a falta do que dizer que pauta a moderação dos reacionários.

Dino, e não há surpresa nisto, fez afirmações sensatas como esta:
"Sei que, para ser bom julgador, a empiria, a experiência, a prática têm um lugar insubstituível. E o que eu ofereço a vossas excelências e à nossa nação? Ofereço a experiência de quem foi o juiz federal por 12 anos e não tem nenhuma mácula funcional e teve uma prática honesta na sua função. E a prática, a experiência de juiz federal ensinam o valor fundamental da legitimação da função judicante, qual seja: a imparcialidade, a equidistância em relação aos valores em conflito. Da experiência de deputado federal e senador, trago o respeito à função legislativa. Da experiência de governador e de ministro da Justiça, trago o respeito àqueles que têm a dura tarefa de concretizar os direitos, gerindo a escassez e, ao mesmo tempo, velar pela estabilidade institucional, Derivado desse respeito à política, afirmo a vocês: tenho a exata dimensão que o Poder Judiciário não deve criar leis. Claro que o Poder Judiciário cria direito. Há o caso concreto, mas interpretando leis. As pautas axiológicas gerais, que vinculam a função judicante, são definidas pelo Parlamento. E o nosso sistema não é 'tricameral'; o nosso sistema é bicameral: Câmara e Senado. Não existe um Poder Legislativo em que atuem, simultaneamente, Câmara, Senado e Supremo. E essa compreensão é fundamental para que nós tenhamos a compreensão de que a autonomização do direito, que foi uma Conquista do pós-guerra, não pode se transformar em 'deciosionismos' ou em 'determinalidade' quanto às normas jurídicas porque isso traz insegurança ao funcionamento da sociedade, da economia e da política".

Tudo o que interessa, a rigor, está nessa resposta:
- Poderes autônomos e harmônicos;
- o papel específico de cada um desses Poderes;
- a independência necessária do juiz;
- a noção de que, com efeito, o Judiciário não faz leis, mas pode criar -- ou clarificar -- direitos, mas sempre "interpretando" leis.

Aí está o debate que realmente importa. Ocorre que os ditos "bolsonaristas", sob a liderança de Rogério Marinho (PL-RN), que cumpre trajetória oposta à dos bons vinhos — está envelhecendo e se avinagrando —, não está nem aí para esse debate. A pauta que levaram à sabatina, a rigor, não tem resposta que possa satisfazê-los porque isso implicaria que um candidato ao Supremo flertasse com teses golpistas.

Mesmo na indagação que dirigiu a Paulo Gonet, vê-se o esforço de Marinho de considerar a liberdade de expressão uma espécie de valor absoluto, o que é realmente notável. Até parece que o histórico de censura no Brasil se cola à trajetória da esquerda no poder. Ocorre que, no Brasil e mundo afora, a direita que censurou, torturou e matou agora veste a pele de cordeiro e usa a liberdade como escudo para pregar a ruptura com a ordem democrática.

Mais uma vez, diga-se, Marinho apela a seu avô, Djalma Marinho, morto em 1981. Apoiador do golpe de 1964, o Marinho avô não aceitou a imposição da ditadura militar, de que era base, em 1968 para cassar o mandato do deputado Márcio Moreira Alves. Renunciou à presidência da CCJ da Câmara então — e a sala que abriga essa comissão naquela Casa leva seu nome hoje. Em 1981, embora governista (gestão do general Figueiredo), disputou com o apoio da oposição a Presidência da Câmara. Perdeu para Nelson Marchezan, apoiado pelo regime.

O senador virou uma espécie de chupim da biografia do seu avô, como se apreço pelas liberdades fosse transmitido pelo sangue ou por fidalguia. Com efeito, aquele Marinho pertencia ao bloco parlamentar que apoiava a ditadura, mas se rebelou contra os arreganhos autoritários mais explícitos. O neto, como se vê, embora atue em regime de plenas liberdades, resolveu colar a sua biografia à trajetória de Bolsonaro, candidato malsucedido a tirano. Como esquecer a cena patética, em 14 de julho deste ano, quando chorou ao se referir aos baderneiros e golpistas presos em razão do 8 de janeiro? Jamais derramou uma lágrima pelos mais de 800 mil presos que se amontoam nos presídios, mais da metade sem sentença com trânsito em julgado.

O líder do PL percorreu de novo, nesta quarta, todo o caminho das insinuações abjetas, acusando, uma vez mais, o ministro Dino de ter subido o Complexo da Maré sem segurança, sugerindo que pudesse ter havido algum entendimento com a criminalidade. Ele sabe que isso é uma mentira inventada pela extrema-direita, com a qual ele se juntou. Dino tinha consigo todos os requerimentos enviados aos entes de segurança, que se fizeram presentes naquele evento.

VEXAME FINAL

Como vexame final, Marinho ficou claramente zangado porque Dino lembrou, sem ânimo de provocação, que ambos já haviam integrado o mesmo bloco, ao tempo em que o agora "radical do PL" pertencia ao PSB, também chamado "Partido Socialista Brasileiro". Tenho a impressão de que o próprio senador sente uma certa vergonha do seu presente. O direitista radical de agora se converteu de tal modo que não quer nem ouvir falar daquele tempo em que era tido como um moderado e, depois, um conservador esclarecido.

Vá lá... Ele tem razão.

Nem moderado.

Nem conservador.

Nem esclarecido.

Nenhum comentário: