terça-feira, 12 de dezembro de 2023

Por que também aplaudo 'Xandão'. Ou: Há lado bom no bolsonarismo? Respondo


Alexandre de Moraes e Lula durante solenidade de lançamento, no Palácio do Planalto, do Plano Nacional Ruas Visíveis Imagem: Reprodução

O que isso tem a ver com as primeiras linhas deste texto? Ainda verão se não anteviram. Sigamos. Não é raro que eu seja abordado, geralmente de forma suave, por pessoas que querem saber como se teria operado minha adesão ao "progressismo". Não pretendo nem decepcionar nem animar ninguém: penso que sempre fui um democrata, mas não ficarei aqui a reivindicar ou a expor credenciais.

Jamais escondi que minhas leituras de mundo são feitas, se me permitem a repetição, neste mundo mesmo, não em um outro que só exista na minha imaginação ou nas minhas prefigurações. Não chegou a hora de fazer acerto de contas na linha "Eu estava certo; vocês, errados" — ou o contrário, o que constituiria um mea culpa. Deixemos para o Juízo Final. Tendo a remeter a Lula e a Geraldo Alckmin alguns petistas ainda curiosos sobre minha suposta "conversão". Eram adversários muito duros em 2006. São aliados agora. Mais do que isso: o ex-tucano, hoje no PSB, é vice do petista. Felizmente se fez essa aliança.

Há também direitistas e centristas cordiais com indagações sobre eventuais inflexões do meu pensamento. Eu compreendo todas as perplexidades e insisto que estou neste mundo, não no reino da fantasia. Apelando ao livro "A Ideologia Alemã", de Marx e Engels, eu também teria escolhido colonizar a Alsácia Lorena, como fizeram os franceses, em vez de tentar provar que a minha filosofia era melhor do que a deles, como fizeram os alemães. Ignorar o realismo político costuma resultar em desastre. Quando não redunda em tragédia.

A esses todos costumo perguntar se não enxergam o mal que Bolsonaro faz não só ao conservadorismo, mas ao debate qualificado. Ele piora também os adversários. Sua estupidez, suas propostas rasas sobre quase tudo, sua vacuidade mental, sua incapacidade de formular um juízo complexo sobre qualquer assunto e, por consequência, a impossibilidade de que venha a construir uma alternativa para o país envenenam tudo aquilo em que toca. Nada consegue crescer à sua sombra.

CADÊ OS CONSERVADORES E CENTRISTAS?
Eu e o advogado Walfrido Warde entrevistamos recentemente Ronaldo Caiado (União Brasil), governador de Goiás. Tenho, sim, discordâncias substanciais com ele. Mas percebi, ao longo do papo no podcast "Reconversa", que falávamos de coisas do plano terreno, nunca da Terra plana. O médico Caiado acredita na ciência, faz uma defesa enfática do planejamento econômico e do investimento em tecnologia e afirma que votaria em Flávio Dino para o Supremo se senador ainda fosse porque, a despeito das divergências, reconhece nele o necessário saber jurídico e a honradez para a ocupar a função.

A que papel têm sido relegados, no entanto, os que ousam se apresentar como alternativas de poder no terreno conservador ou centrista? Ou são deferentes a um líder sem ideias ou viram alvos de milícias digitais virulentas. Vejam caso do senador Rogério Marinho (PL-RN), que já chegou a ser considerado um centro-direitista respeitável. Participou de um evento micado em Brasília neste domingo contra a indicação de Dino. Que coisa! Concluo, pela enésima vez, que Bolsonaro é mesmo incapaz de aprender qualquer coisa nova, mas tem o dom assombroso de emburrecer os que vivem à sua volta. Ele não aprende nada nem esquece nada. Os outros não aprendem e ainda esquecem o que sabiam de útil.

VAI VOLTAR AO INÍCIO, REINALDO?
Começo aqui. O bolsonarismo não tem lado bom. Mas sua ascensão teve implicações inesperadas. As que dizem respeito a este escriba importam pouco. Já a união Lula-Alckmin, por exemplo, tornou-se um marco na história da democracia brasileira.

Apanhei das esquerdas quando defendi o nome de Moraes para o Supremo porque a designação era feita por Michel Temer, vice de Dilma e presidente da República depois do impeachment. Bem, desnecessário explicar as razões. E igualmente veio pancadaria do outro lado: como a Lava Jato fez mira também em Temer, entendia-se que a eventual ida de um indicado seu para a Corte traduzia um compromisso com a impunidade.

Eis que, nesta segunda, movimentos sociais gritaram com entusiasmo o nome de "Xandão". Também o ministro Gilmar Mendes, e com justeza, foi submetido a uma releitura. E uma nota à margem: divirjo de Moraes no caso da execução da pena depois da condenação em segunda instância. Que eu saiba, nem ele nem eu mudamos de posição. Ele a favor; eu contra. E segue a vida.

O destemor da dupla de magistrados, sem receio do confronto se necessário, revelou-se essencial para impedir que o pior acontecesse. Eu duvido que o ora presidente do TSE tenha, em algum momento do passado, antevisto a própria trajetória e pensado: "Eles ainda comerão do biscoito fino que fabrico".

ENCERRO
Não há lado bom no bolsonarismo. Mas a velhacaria pode ter de lidar com consequências inesperadas. Muitos de nós olhamos o cenário político, o país e o futuro e nos dissemos, cada um no seu quadrado, mesmo que de forma tácita: "Há uma gente que tende a ferir de morte o pacto civilizatório, e o papel dos democratas é preservá-lo, ainda que certas companhias sejam apenas episódicas. Não podemos é perder o caminho. E todo aquele que, em política e na vida pública, deixa de escolher o mal menor está necessariamente condenado a fazer um pacto com o mal maior".

Assim, aplausos a Xandão! Viva Xandão!

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