quarta-feira, 27 de dezembro de 2023

2023: o ano em que a democracia venceu


O que faltou a Lula foi antever que o 8 de Janeiro não acabaria ali, com as rápidas e exemplares punições da Justiça


Lula, ministros do STF, ministros e governadores em reunião em 9 de janeiro — Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República

Se não tivesse havido nada mais de positivo em 2023, o ano já mereceria figurar nos livros de História como aquele em que a democracia brasileira sobreviveu a uma tentativa de solapá-la por parte do bolsonarismo, o movimento político que governou o país nos quatro anos anteriores e que termina o ano com seu líder, Jair Bolsonaro, inelegível.

Não é pouca coisa, e o fato de termos não só contido o dique do golpismo, como julgado Bolsonaro no mesmo ano em que o 8 de Janeiro aconteceu nos coloca à frente dos Estados Unidos em termos de mecanismos capazes de lidar com as muitas ameaças às instituições que vicejam no mundo tomado pelas novas formas de radicalização política.

É verdade que o governo Lula, os demais Poderes e os partidos políticos não conseguiram executar, ao longo dos 11 meses e pouco desde a intentona golpista, uma agenda de fôlego capaz de fazer com que a polarização que divide quase ao meio a sociedade brasileira arrefecesse.

No oportuno “Biografia do abismo”, os autores Felipe Nunes e Thomas Traumann vão além ao chamar essa divisão de calcificação, dada sua imutabilidade mesmo diante de dados e evidências e dado o descolamento até em relação aos resultados da economia, fator que sempre moveu, como um pêndulo, a avaliação de um governo entre negativa e positiva.

Os indicadores econômicos que Lula entrega depois de um ano são, todos, superiores aos de Bolsonaro, mas ainda assim a avaliação positiva do presidente e de sua gestão ao cabo de um ano é bastante semelhante ao contingente que o elegeu. Foi pequeno o avanço em relação ao eleitorado bolsonarista, e aí não se está falando nem do núcleo duro que aplaudiu tudo que o ex-presidente fez em quatro anos — de oferecer cloroquina para as emas a ameaçar não cumprir ordens do Supremo Tribunal Federal (STF).

Fica, portanto, para um governo que ainda se mostra muito desconectado da nova agenda global e restrito às fórmulas que deram a Lula picos de 80% de popularidade num passado que, vê-se agora, é remoto dada a velocidade das mudanças a tarefa de entender o que aconteceu e de propor novos projetos se quiser amolecer os blocos petrificados.

A despeito do que mostram as pesquisas, há o que celebrar em 2023. Quem assistiu pela TV às cenas de 8 de janeiro não poderia imaginar que a resposta do criticado establishment seria tão rápida, uníssona e eficaz. Basta comparar com a invasão do Capitólio americano, que registrou mortes, ocorreu dois anos antes e até hoje apresenta um histórico de punições mais brando que o nosso.

A atuação da Justiça em todas as etapas em que a democracia foi posta em xeque desde 2020 foi fundamental. O Brasil deve em grande parte ao TSE e ao STF não ter assistido a uma ruptura e ter punido aqueles que tentaram provocá-la.

Lula também teve papel decisivo de segurar o solavanco golpista quando entendeu que precisaria chamar todos, inclusive os governadores oposicionistas, para um compromisso com a República naquele momento.

O que faltou ao presidente foi antever que o 8 de Janeiro não acabaria ali, com as punições rápidas e exemplares da Justiça. Faltou partir da frente ampla da campanha e do pacto civil pós-intentona para tentar quebrar as bases da radicalização política com um novo discurso e uma nova agenda, que não fosse a reprise do que deu certo lá atrás ou a reafirmação de simpatias e crenças — como a defesa da Venezuela como democracia — que simplesmente não encontram aderência na maioria da população brasileira.

A tarefa para 2024 é justamente entender o que precisa mudar. Caso contrário, contrataremos um 2026 com o eleitorado dividido e altamente radicalizado, uma revanche rancorosa de 2022. Tema para a próxima coluna, a última do ano.

Nenhum comentário: