segunda-feira, 30 de outubro de 2023

'Página virada' de Bolsonaro é negacionismo historiográfico


Imagem: O ex-presidente Jair Bolsonaro teria tentatado dar um golpe de Estado, segundo o relatório da CPMI dos Atos Golpistas. Foto: Tania Rego/Agência Brasil

Bolsonaro voltou a revelar neste sábado sua contrariedade com o resultado da sucessão presidencial. E repetiu que considera 2022 uma "página virada". Disse o seguinte:

"Quis Deus me dar segunda vida e quatro anos de presidente da República. Houve um desastre no ano passado. Ninguém entende o que aconteceu, mas vamos considerar página virada. Vamos continuar lutando pelo nosso Brasil. Temos um legado."

A declaração é pecaminosa, ofensiva, equivocada e alucinada. Bolsonaro pecou ao invocar o nome do Todo-poderoso em vão. Deus está em toda parte. Mas, de maneira geral, o Tinhoso controlou a Presidência do capitão.

A fala ofende a inteligência alheia, pois todos sabem que o "desastre" aconteceu durante os quatro anos em que Bolsonaro foi o inquilino do Planalto. O desfecho da disputa presidencial foi apenas uma consequência da ruína.

O equívoco da manifestação está estampado no trecho em que Bolsonaro supõe que ninguém compreende o que sucedeu. A coisa é clara como água de bica. O capitão foi à sorte das urnas. E tornou-se o primeiro presidente da história a não obter a reeleição desde que o instituto foi criado. Faltaram-lhe os votos: 58,2 milhões de eleitores pressionaram o número 22 nas urnas; 60,3 milhões de brasileiros preferiram o número 13.

A alucinação decorre do fato de que 2022 deixou de ser "página virada" no instante em que Bolsonaro conspirou contra a vontade popular. Tornou-se um livro aberto depois que o perdedor instigou os acampamentos de porta de quartel, absteve-se de passar a faixa presidencial ao eleito e fugiu para Flórida, numa tentativa vã de camuflar as digitais impressas na intentona de 8 de janeiro.

O ano de 2022 não terminou. O livro está sendo escrito. A plateia acompanhava os desdobramentos dos processos criminais estrelados por Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal à esperava do sinal de que o fim, ou pelo menos a encrenca terminal que empurraria a cena para um desfecho, estivesse próximo.

Aguardava-se o fato que justificasse o uso do ponto de exclamação que se escuta quando as pessoas dizem "não é possível!" O sinal foi dado quando vieram à luz os primeiros detalhes da delação do tenente-coronel Mauro Cid.

O ex-faz tudo de Bolsonaro disse à Polícia Federal ter testemunhado a reunião em que o então comandante supremo das Forças Armadas discutiu em reunião com os comandantes militares os termos de uma minuta golpista. Tudo passou a ser epílogo para Bolsonaro.

Se as declarações deste sábado serviram para alguma coisa foi para realçar que Bolsonaro continua com os dois pés plantados em sua realidade paralela. Exibe agora um negacionismo historiográfico. Para ele, a história continua sendo a mesma lenda, só que muito mais mentirosa.

Às voltas com a síndrome do que está por vir, Bolsonaro se comporta como passageiro que voa num avião sem se dar conta de que sua bagagem, com todos os excessos, viaja em outra aeronave. A turnê já inclui uma escala na inelegibilidade. E não pode acabar senão numa sentença criminal com pena de prisão.

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