sexta-feira, 6 de outubro de 2017

Setores da imprensa aplaudiram agressões várias à Constituição. E a ameaça chega à… imprensa!



E não é que a reforma política acabou aprovando uma emenda que abre as portas para a censura? Aí dirá alguém: “Mas a Constituição proíbe tal expediente. É verdade! Vamos pensar:

1: a Constituição não permite punição retroativa. E se fez isso com o Ficha Limpa. Boa parte da imprensa aplaudiu;

2: a Constituição não prevê a punição de parlamentares com medidas cautelares. Foi o que se fez com Aécio Neves. Boa parte da imprensa aplaudiu;

3: a Constituição não admite provas ilícitas. A ilicitude das produzidas contra Temer e Aécio é escancarada. Boa parte da imprensa aplaudiu;

4: a Constituição não permite que o presidente da República, no curso do seu mandato, seja processado por atos que lhe são atribuídos quando ainda não chefiava a nação. A nova denúncia de Janot contra Temer se baseia em supostas ocorrências de quando ainda não era presidente. Boa parte da imprensa aplaudiu.

De fato, o repúdio a qualquer forma de censura está previsto no Artigo 5º da Constituição, nos Incisos IV (liberdade de pensamento), IX (liberdade de expressão, sem censura prévia) e XIV (sigilo da fonte). E tudo isso acaba sendo reiterado no Artigo 220.

Mas esperem: o Inciso XXXVI do mesmo Artigo 5º assegura que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. A retroatividade decidida pelo STF no caso da Lei da Ficha Limpa violou tal dispositivo. Quase ninguém reclamou. Eu reclamei.

O Artigo 53 da Constituição impede a prisão de parlamentares, a não ser em flagrante de crime inafiançável, e também não prevê, por óbvio, medidas cautelares, como as aplicadas a Aécio Neves. Quase ninguém reclamou. Eu reclamei.

O Inciso LVI do Artigo 5º da Constituição não admite, “no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”. E foi o que se viu nos casos Temer e Aécio. Quase ninguém reclamou. Eu reclamei.

O parágrafo 4º do Artigo 86 da Constituição afirma que um presidente não pode responder por atos estranhos ao mandato. É o que faz a segunda denúncia de Rodrigo Janot contra Temer. Quase ninguém reclamou. Eu reclamei.

Sabe aquela máxima da sua mãe, que não busca deixá-lo mais covarde, mas apenas mais prudente? Quem muito brinca com fogo acaba se queimando? E nós vivemos a era dos piromaníacos. Na semana passada, li, ouvi e vi jornalistas de renome a anunciar que, no caso Aécio, debater a questão legal era só uma forma de tentar esconder as coisas erradas que ele havia feito. É mesmo? Então esses meus doutos colegas já ofereceram a denúncia, já cuidaram do inquérito e agora batem o martelo: “É culpado!”? Mais: nas democracias, respeita-se o devido processo legal. O regime não se resume a uma disputa de convicções.

No trecho que trata de propaganda eleitoral na Internet, o deputado Áureo (SD-RJ) conseguiu ver aprovado um dispositivo que obriga sites, blogs e portais a suspender, mesmo sem ação judicial, postagens que incentivem a cultura do ódio, que disseminem informações falsas e que ofendam partidos e candidatos”. Basta que alguém denuncie. E tal suspensão tem de ocorrer “até que o provedor se certifique da identificação pessoal do usuário que a publicou”.

Você, jornalista, colunista ou âncora, que justificou todas as ilegalidades da Lava Jato sob o pretexto de que se estava combatendo o crime; você, cujo ânimo censório, sob o pretexto de combater a pedofilia, tem a ambição de impor a linha justa a museus e à cultura no geral; você, que viu a Constituição ser violada reiteradas vezes sob o pretexto de que é preciso caçar e cassar bandidos… Bem, pergunto se você vai condescender com essa forma de censura. Também esse caso tem um pretexto: coibir as notícias falsas em desfavor de um candidato ou partido.

Estou certo de que veículos de comunicação, jornalistas e movimentos que incentivam o pega-pra-capar vão se opor a esse trecho da lei. E haverá o clamor: “Veta, Temer!” E pedirão isso a ele, justamente a maior vítima das campanhas organizadas, das “fake News” e da condescendência de jornalistas, veículos de comunicação, advogados e juízes com a violação permanente da Constituição.

Sim, eu também me oporei, Já estou me opondo. Mas, com a devida vênia, eu posso fazê-lo sem ficar corado. Afinal, não condescendi com nenhuma das outras aberrações.

É isso. Ainda que sua mãe estivesse errada em tudo, numa coisa ela está certa: quem brinca com fogo acaba se queimando.

Por Reinaldo Azevedo

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