quinta-feira, 13 de outubro de 2022

Um país com medo (Editorial do Estadão)



A Lula e Bolsonaro parece bastar que os eleitores sintam receio – da volta do PT ou de uma ditadura bolsonarista. Campanha de 2.º turno deveria ser tempo de um debate mais qualificado

O recado das urnas foi claro. Ao não consagrarem um vencedor no primeiro turno da eleição para a Presidência, os eleitores manifestaram o desejo de conhecer mais a fundo os planos de governo de Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL). No entanto, a julgar pela miséria propositiva que marca as campanhas dos dois candidatos, os eleitores não poderiam se sentir mais frustrados. Na ausência de um debate maduro sobre o futuro do País, o que tem sobrado é o culto à personalidade. Ao invés de propostas, ameaças e chantagens. Ao invés de esperança, aflição e medo.

Lula e Bolsonaro transformaram o segundo turno da eleição presidencial em uma longa noite de 28 dias. Até parece que não haverá um Brasil a ser governado com responsabilidade a partir de 1.º de janeiro de 2023. Grande parte dos eleitores de um e de outro vive em estado de permanente tensão, em boa medida estimulado pelos próprios candidatos.

Os eleitores de Jair Bolsonaro são levados pelo medo de que uma eventual vitória do petista representaria a volta dos grandes escândalos de corrupção, do alinhamento automático do Brasil a ditaduras de esquerda mundo afora e do avanço de projetos liberais ligados aos costumes.

Já os eleitores de Lula da Silva temem que, em caso de reeleição, Bolsonaro teria mais força para avançar com seu projeto de enfraquecimento da democracia – sobretudo tendo em vista a nova conformação de bancadas no Congresso a partir do ano que vem, em tese, mais alinhada a pautas do incumbente. A bem da verdade, não é um receio de todo infundado, haja vista que a experiência histórica mostra que populistas com pendor para a autocracia usaram o segundo mandato para minar ainda mais as instituições democráticas, em especial a independência do Poder Judiciário e da imprensa profissional.

Para a grande maioria dos eleitores pouco importa o que há de verdade ou exagero na base desses receios. Eis o sucesso das campanhas que primam pela desinformação e pela desqualificação do jornalismo profissional e independente. O conhecimento e a realidade factual parecem não importar mais para a formação de opinião na era do “relativismo pós-moderno”, fortemente baseada em um sistema de crenças, não de informações. Nesse contexto de turvação da realidade, qualquer desvario passa a ser tido como proposição política legítima, mera forma “alternativa” de ver o País e o mundo, tão válida quanto qualquer outra.

Campanhas eleitorais, principalmente de segundo turno, não deveriam servir para instilar medo nos eleitores. Deveriam ser tempo de uma discussão mais profunda e racional – tanto quanto possível – sobre o futuro do Brasil. Afinal, não são poucos, muito menos triviais, os problemas à espera da ação corajosa e republicana do próximo presidente, em sintonia fina com o Congresso. Contudo, desafortunadamente, a sociedade não poderia estar mais distante desse objetivo.

Lula e Bolsonaro têm se empenhado em manter o debate público ao rés do chão. Ambos têm estimulado os eleitores a decidir seus votos com base no medo de uma eventual vitória do adversário – como se o próximo presidente, seja quem for, não tivesse a obrigação de governar no melhor interesse de todos os brasileiros.

Não há espaço para ingenuidade nesta página. Emoções são componentes indissociáveis de qualquer disputa eleitoral, e todas as campanhas, sem exceção, exploram os sentimentos mais básicos dos eleitores. Seria ocioso esperar por um debate puramente racional quando o que está em jogo é a luta pelo poder político. No entanto, o que há de novo nesta campanha em particular é o completo abandono da racionalidade e do espírito público pelos dois candidatos.

Para Lula e Bolsonaro parecem bastar a desqualificação do adversário e a disseminação da repulsa e do medo, não a apresentação de suas ideias, supondo que as tenham, para a construção de um País mais próspero e justo. Trata-se, a um só tempo, de uma afronta ao espírito da Constituição, que admite a possibilidade de eleição em dois turnos com vistas ao aprofundamento do debate público, e ao pedido dos eleitores por um debate mais civilizado e qualificado sobre os problemas mais prementes do País.

Nenhum comentário: