sexta-feira, 21 de outubro de 2022

Descaso com a educação básica (Editorial do Estadão)



Execução orçamentária pífia do MEC, conforme estudo do Todos pela Educação, revela que ensino básico não é prioridade do governo, a despeito das promessas de Bolsonaro

A baixa execução orçamentária do Ministério da Educação (MEC) no ensino básico reflete o desleixo do governo nessa área crucial para o País. Um recente balanço realizado pelo movimento Todos pela Educação com base nos pagamentos e empenhos (fase anterior ao desembolso) do último quadrimestre de 2021 mostra que as rubricas destinadas à educação básica tiveram a menor taxa de pagamento (77%) e a menor taxa de empenho (93%) na comparação com as demais áreas do Ministério − administração e encargos, ensino superior e educação profissional.

A radiografia da execução orçamentária do MEC apontou outra distorção: no exercício de 2021, de acordo com o relatório do Todos pela Educação, não foram feitos pagamentos relativos a emendas parlamentares individuais e de bancada, que têm caráter impositivo e primam pela transparência, com a devida divulgação de seus autores. Tratamento bem diferente foi dado às emendas de relator, que compõem o chamado orçamento secreto e servem à cooptação política de deputados e senadores por parte do Palácio do Planalto. Os desembolsos do MEC referentes a emendas do orçamento secreto atingiram 25% do total previsto.

Lamentável ainda foi a baixa execução orçamentária de um órgão da importância do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), responsável, simplesmente, pelas principais avaliações e estatísticas de educação no País. O Inep foi o órgão com a menor taxa de pagamentos relacionados à educação básica no último quadrimestre de 2021, menos de 40%. Motivo: baixos índices de pagamentos referentes ao Censo Escolar (31%) e a exames e avaliações (39%).

Tudo isso corrobora a sensação de que o Brasil perdeu tempo e andou para trás na educação durante o governo de Jair Bolsonaro, como constatam incontáveis professores, gestores, estudantes e quem quer que se debruce, com um mínimo de isenção, sobre o legado dos últimos quatro anos. Sob Bolsonaro, o MEC desfigurou-se e perdeu protagonismo naquela que é a sua função maior: agir, em colaboração com Estados e municípios, para garantir a qualidade do ensino e mais oportunidades educacionais em todo o território nacional.

O líder de Relações Governamentais do Todos Pela Educação, Lucas Hoogerbrugge, resumiu assim o quadro revelado pela execução orçamentária do Ministério: “Nos causa muita tristeza ver o MEC se apequenando ao longo dos últimos anos”.

Nestes tempos de polarização política e em meio a uma campanha eleitoral tão acirrada, é comum que críticas à atuação do presidente sejam relativizadas por quem simpatiza com sua candidatura. Mesmo os eleitores de Bolsonaro, porém, haverão de ter dificuldade para apontar verdadeiras contribuições do atual governo a favor da educação brasileira. Se houve transformações, infelizmente, foram para pior.

Não é preciso recorrer a nenhum opositor ou crítico de Bolsonaro para escancarar o malogro, em especial na educação básica – justamente a área anunciada pelo presidente como sua prioridade, em discurso depois de sua posse. Corretamente, Bolsonaro disse, na ocasião, que a educação básica “é a que realmente transforma o presente e faz o futuro de nossos filhos”.

Tal promessa não só se perdeu no tempo, como quase tudo o que o presidente e sua equipe fizeram dali para a frente desmentiu o discurso da posse e implodiu avanços que poderiam ter ocorrido. Um punhado de escolas foi militarizada em nome da disciplina, um ministro da Educação chegou a estimular que alunos filmassem professores para denunciá-los e o governo cortou drasticamente verbas para a construção de creches. De quebra, patrocinou um projeto para permitir a educação domiciliar, que, na prática, servia para demonizar os professores e as escolas, vistos pelos bolsonaristas radicais como agentes de perversão das crianças.

Em recente entrevista ao Estadão, a presidente do Conselho da Fundação Tide Setubal, Neca Setubal, classificou Bolsonaro como um “desastre” para o ensino público. “A gente retrocedeu dez anos”, afirmou ela. Por isso, não há tempo a perder: ensino de qualidade, e para todos, é premissa para o desenvolvimento. A educação brasileira precisa de uma reviravolta urgente. E a educação básica deve ser efetivamente priorizada.

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