sexta-feira, 7 de outubro de 2022

Alguns cobram cartas de Lula, enquanto Bolsonaro rasga a Carta impunemente



Quando a Economist defendeu que Lula fizesse sinais mais claros ao "centro", indaguei o que mais ele poderia fazer. Apareceu na sequência uma conversa um tanto louca, com laivos de irresponsabilidade, a defender que o candidato do PT indicasse desde já o seu nome para a Economia caso eleito. Não me parece razoável que se debata isso a sério por pelo menos dois motivos: um político e outro de ordem prática. O político: quem disputa votos é Lula, não quem vai exercer a titularidade da Fazenda — essa conversa de "Ministério da Economia" é coisa de "megalonanico". O de ordem prática: se Lula o fizesse, a pessoa indicada teria de receber desde já uma romaria de interesseiros e palpiteiros.

Cobra-se do ex-presidente que seja um missivista de compromissos, não um candidato. Curioso. Notem que essa eleição já se dá sob o signo de duas excepcionalidades que, em verdade, são agressões à ordem legal: a PEC do ICMS e a PEC dos benefícios sociais. Já tratei desse assunto aqui e em toda parte mais de uma vez. Juntas, trata-se de agressões ao Pacto Federativo — e, pois, à Constituição; à Lei de Responsabilidade Fiscal e à Lei Eleitoral — estas duas violadas também no caso da contratação de servidores federais da área de segurança. E há as "generosidades" pensadas exclusivamente para o segundo turno.

Inexiste, como é visível, paridade de armas. Li outro dia um texto afirmando que o petista dispõe de mais dinheiro do Fundo Eleitoral para fazer campanha do que Bolsonaro. É brincadeira! O "Fundo Eleitoral" do presidente não tem fundo porque é o próprio dinheiro público. Só a PEC dos benefícios custou R$ 41 bilhões. Minas Gerais, de Romeu Zema, dará neste ano, do seu ICMS, R$ 12 bilhões para o presidente fazer campanha — mas o governador está com o "Mito". São Paulo doará outros R$ 15 bilhões, mas Rodrigo Garcia também está. O confisco atingiu as 27 unidades da Federação. Desde que há reeleição no país, jamais um candidato fez tamanha lambança. Mas os tais "mercados" não cobram uma carta de Bolsonaro se comprometendo com as contas públicas. Logo, essa conversa é puro terrorismo ideológico.

Nomões de Plano Real, como Edmar Bacha, André Lara Resende e Pérsio Arida, e seus operadores, como Pedro Malan e Armínio Fraga — que tanto apanharam do PT a seu tempo — não pediram carta nenhuma a Lula. Em vez disso, foram eles a assinar uma carta de compromisso com a democracia. As credenciais de Lula que certos "analistas" não aceitaram lhes pareceram adequadas: ele já demonstrou compromisso com a responsabilidade fiscal no passado, o que elevou o país, no seu governo, à condição de "Grau de Investimento". E isso não quer dizer que concordem com todos os seus postulados ou com teses que circulam no PT. A questão e saber o que está em jogo.

AGRO
Aí vem o papo da "Carta ao Agro". Ah, não serei eu a dizer: "Lula, não assine nada". Mas pergunto: "Por que ele teria de fazê-lo?" O ódio que certos empresários ligados a essa área destilam contra o ex-presidente só é explicável pelo caminho do preconceito e do rancor de classe. E é preciso chamar as coisas pelo nome. Esse setor da economia passou a ter a dimensão que tem nos oito anos do seu governo. E também nada têm a reclamar de Dilma. As reservas que o país acumulou no período são uma evidência que dispensa outros argumentos.

Cumpre, pois, indagar: "O que podem os fatos contra o preconceito e a cegueira ideológica? Bolsonaro, este sim, criou um contencioso para o setor, em razão da estupidez de sua política ambiental, que já está cobrando o seu preço e vai cobrar muito mais. Desafio qualquer empresário do agro a listar ações das gestões petistas que tenham prejudicado seus negócios. Não farão porque seriam obrigados a contar mentiras. Ocorre que vozes antediluvianas do reacionarismo mais abjeto passaram a dar o tom político de associações de classe, colocando a pujança alcançada nos governos petistas a serviço de delírios golpistas.

Que Lula estabeleça, se quiser, diretrizes para o setor nessa carta. Não será Bolsonaro, também nesse caso, a fazê-lo porque não precisa. Basta que vomite suas indignidades contra ONGs, meio ambiente e índios. O que esperariam esses? Que Lula se jactasse, como um ato de coragem, da disposição de comer carne humana com banana? Não vai acontecer.

EVANGÉLICOS
Aí se pergunta por que não uma "carta aos evangélicos". De novo: não serei eu a dizer aqui um "não escreva nada". Mas que mal Lula fez aos fiéis dessas derivações cristãos e às suas respectivas denominações? Ora, houve um crescimento formidável dessas igrejas nos governos petistas, o que tem tradução econômica. Milhões foram inseridos no mercado de consumo e podiam pagar o dízimo. Bilhões, muitos bilhões, do Bolsa Família e do aumento real do salário mínimo se converteram em templos e fizeram milionários da fé. Sem que o governo federal jamais criasse empecilhos a seu livre exercício.

E Bolsonaro? Promete o quê? Lutar, como se estas fossem pautas do candidato do PT, contra a ideologia de gênero e contra o aborto. Não critico, obviamente, Lula por levar ao horário eleitoral a sua posição sobre esse segundo tema. Até porque estará dizendo uma verdade, compatível com aquilo que se fez no seu governo. "Ah, mas há militantes de esquerda que defendem..." Bem, se formos atribuir a Bolsonaro tudo o que defendem seus eleitores, ele conseguiria parecer ainda pior do que é. Também nesse caso, a fé é o que menos importa. Não fosse assim, não haveria tantos evangélicos a condescender com a tara armamentista do presidente. Não há leitura possível do Novo Testamento, literal ou simbólica, que justifique essa cruzada moralmente criminosa. E, no entanto, os templos se converteram em comitês eleitorais.

DIÁLOGO
Quanto mais Lula abrir o diálogo com esses setores, insista-se, melhor! Assim, pode-se jogar luz nas opiniões. Mas cabe indagar: existe remédio para o preconceito e o rancor ideológico e, pior ainda, para o oportunismo de alguns líderes religiosos que se candidatam a ser (maus) conselheiros do rei? Essa gente não cobra de Bolsonaro nem mesmo o respeito à Constituição. Ficaram ao lado de Bolsonaro mesmo quando ele ameaçava as eleições dia sim, dia também.

Leio aqui e ali que a esquerda ideológica evita a aproximação com evangélicos et. e tal. Desconheço que alguém tenha sido perseguido em alguma legenda de esquerda porque se declarou cristão. Mas estão em todo canto as evidências de que igrejas estão punindo fiéis em razão de suas escolhas políticas. "Influencers" evangélicos, em nome da Bíblia, usam as redes sociais para antever uma Venezuela se Lula for eleito, como se ele nunca tivesse governado o país. Foi condenado sem provas e preso. Lutou na Justiça, não nas ruas. Quem afirma vislumbrar para si ou vitória ou morte é Bolsonaro. Isso faz dele um bom cristão?

ENCERRO
Lula não cometeu erros nem foi omisso com esses setores. Mas há por aí alguns juízos estranhos, como se o petista tivesse de provar, depois de tudo o que fez e de tudo por que passou, que é um democrata.

É... Também isso ninguém cobra de Bolsonaro, não é mesmo? Até porque seria estupidamente inútil.

Cobra cartas de Lula enquanto Bolsonaro rasga impunemente a Carta.

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