sábado, 20 de janeiro de 2024

Insensatez e incivilidade inibem instalação de câmera em fardas





Prestes a vestir a toga de ministro do Supremo Tribunal Federal, Flávio Dino incluirá no epílogo de sua administração no Ministério da Justiça a edição de uma resolução sobre a instalação de câmeras no uniforme de agentes de segurança. Aprovado nesta sexta-feira pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, vinculado à pasta da Justiça, o texto será revisado e enviado ao Diário Oficial. Recomenda o uso do equipamento de filmagem por policiais militares e civis, guardas municipais, agentes penitenciários e bombeiros.

O conteúdo da resolução é adequado. A implementação das câmeras é urgente. Mas o documento tem valor simbólico. Trata-se de mera recomendação, pois resolução ministerial não vincula estados e municípios. Governadores e prefeitos seguem a recomendação se quiserem. E não há vestígio de clamor nacional pela adoção das câmeras corporais como um complemento obrigatório das fardas. Quem usa despreza ou subverte a ferramenta. Quem não usa se finge de morto.

Em São Paulo, os batalhões da polícia militar que adotaram as câmeras registraram queda de 76,2% na letalidade dos policiais entre 2019 e 2022. O número de policiais mortos também caiu de 18 para seis. Alheio aos resultados, o governador Tarcísio de Freitas optou por avacalhar o sucesso obtido na gestão de João Doria. Deu um salvo-conduto tácito à truculência policial e cortou a verba para a compra de novas câmeras.

No Rio de Janeiro, as câmeras não servem senão para registrar traços de uma lambança. Em documento enviado ao Supremo Tribunal Federal há cinco meses, a Defensoria Pública do estado informou ter requisitado as imagens da ação policial em 90 ocorrências nas quais houve suspeita de abuso de autoridade, tortura e execução sumária. A PM atendeu a escassos oito pedidos.

Num cenário assim, o uso das câmeras não depende de resolução do Ministério da Justiça. Está condicionado à disposição de governadores de subordinar a ação policial à sensatez e à civilidade, dois valores escassos no Brasil. A sensibilização exigiria alguma capacidade de articulação do governo federal e muita disposição da sociedade para pressionar.

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