quarta-feira, 17 de janeiro de 2024

Conselho Federal de Medicina afronta lei e decisão do STF. Investigação já!



"Quando mesmo que "Reinaldo Azevedo passou a ser de esquerda"? Ou "voltou a ser", como querem alguns? As perguntas, claro!, deveriam vir com uma sirene a título de "alerta de ironia". Vai ver me tornei "de esquerda" quando vi liberais a babar de satisfação diante de discursos reacionários, destilados no mais puro exercício do ódio. Vai ver me tornei "de esquerda" quando constatei que certa "isenção jornalística" estava a serviço de teses de extrema-direita, não dos fatos; vai ver me tornei "de esquerda" quando vi médicos — para mim, necessariamente apegados à ciência — a desprezar o aprendizado objetivo dos cursos de medicina em favor da militância ideológica; vai ver me tornei "de esquerda" quando, sob o pretexto de vencer o PT, os que se queriam da "direita democrática" aceitaram cerrar fileiras com um fascistoide. E, bem..., para quem não havia entendido qual era e qual é a minha, reitero: ou o pacto é democrático ou nunca será. E ponto. Não existe pela metade. Como as opções políticas se dão no mundo real, não no empíreo, considero que o mal menor, não havendo o bem que se quer, é uma imposição ética. Ponto parágrafo. Ainda voltarei aqui.

O Conselho Federal de Medicina, como se já não tivesse se coberto de vergonha o suficiente durante a pandemia, resolveu promover uma enquete — NEGO-ME A CHAMAR AQUELA ABERRAÇÃO DE "PESQUISA" — para saber a opinião dos seus 560 mil filiados sobre a pertinência da vacinação de crianças conta a Covid.

Não sou cientista. Não sou formado em medicina. Não sou pesquisador da área. Mas entendo de linguagem. As questões são estas:
1 - Atende ou já atendeu crianças com idades entre 6 meses a 4 anos e 11 meses?;

2 - Atende ou já atendeu crianças com idades entre 6 meses e 4 anos e 11 meses com diagnóstico de covid-19 ou com complicações decorrentes da covid-19?;

3 - A aplicação de vacinas contra covid-19 em crianças com idades entre 6 meses e 4 anos e 11 meses DEVE SER OBRIGATÓRIA?;

4 - Após devidamente esclarecidos pelo médico assistente sobre os benefícios e riscos relacionados à aplicação de vacinas contra covid-19 em crianças com idades entre 6 meses e 4 anos e 11 meses, os pais e responsáveis têm o DIREITO DE NÃO OPTAR pela imunização de suas crianças?

Não há nada de bom nessa porcaria, a começar de rigor científico e, pois, decência.

A: Aonde se quer chegar com a primeira e a segunda questões? Qual é o objetivo? Induzir à constatação de que, não sendo tão alto o número de crianças contaminadas, a vacina seria, então, desnecessária? Ora, o imunizante tem caráter preventivo. É sua natureza e sua razão de existir. De resto, qualquer que seja o número a que se chegue, ele expressará apenas as ocorrências no universo das crianças atendidas pelos médicos que responderem a pergunta. É uma vergonha!

B: A que propósito atende a terceira questão? A vacinação de crianças contra a Covid passou a integrar o Calendário Nacional de Vacinação. Não tenho esperança de que o CFM saiba, mas há uma decisão do Supremo a respeito, assentada na Constituição e no Estatuto da Criança e do Adolescente (Parágrafo 1º do Artigo 14), em tese que foi firmada pelo ministro Roberto Barroso e endossada por unanimidade na Corte, a saber:

"É constitucional a obrigatoriedade de imunização por meio de vacina que, registrada em órgão de vigilância sanitária,

(i) tenha sido incluída no programa nacional de imunizações;

(ii) tenha sua aplicação obrigatória determinada em lei;

(iii) seja objeto de determinação da união, estados e municípios, com base em consenso médico-científico.

Em tais casos, não se caracteriza violação à liberdade de consciência e de convicção filosófica dos pais ou responsáveis, nem tampouco ao poder familiar'."

Quando se lança essa questão, fica-se com a impressão de que a opinião do médico — que, por óbvio, CIENTÍFICA NÃO SERÁ, a menos que endosse a vacina, o que torna o levantamento ou perigoso ou desnecessário — deve ter algum peso no que concerne ao que está legalmente estabelecido.

Como houve lunáticos e criminosos de jaleco que defenderam até o uso da cloroquina contra a Covid, mesmo depois de comprovada a sua ineficácia, com os riscos colaterais conhecidos, é possível que haja militantes que preferirão concorrer para a morte de crianças a fazer a coisa certa, não é mesmo?

C: A terceira questão deixa de ser apenas intelectualmente delinquente para se tornar incitação ao crime. Pela ordem:

I - quais são os riscos da vacina? A conversa com os pais obedeceria a que protocolo?;

II - inexiste a alternativa que o CFM finge existir. Volto ao Estatuto da Criança e do Adolescente e à decisão do Supremo: não há a opção de não vacinar. Escolher essa saída corresponde a arcar com sanções legais;

III - sem protocolo nenhum ou informações objetivas sobre malefícios da vacina, imaginem que efeito teria uma conversa com um médico eventualmente antivax (e os há), que aterrorizaria pais que estão com filhos saudáveis nos braços;

IV - mais: os tais esclarecimentos seriam feitos por agentes de saúde em postos de vacinação?

AÇÃO CONTRA A VACINA

O mesmo CFM que se negou a condenar o uso da cloroquina como prevenção à Covid -- em consonância com a pregação que entendo filo-homicida do então presidente Jair Bolsonaro -- volta, na prática, a atuar contra a ciência. E contra a lei.

O CFM é uma autarquia profissional de direito público. Tem autonomia administrativa e financeira, mas, conforme já decidiu o STJ em um julgado, sujeita-se "ao regime jurídico de direito público".

REAÇÕES

A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), maior associação científica da América Latina, divulgou na segunda uma nota de repúdio ao que considerou "negacionismo favorecido pelo CFM". Escreveu:

"Lembramos que ciência não é matéria de opinião. Protocolos de prevenção e de tratamento de doenças são desenvolvidos a partir de pesquisas (...) Não se decide se a Terra é redonda ou plana, se Marte é um planeta ou um holograma, por meio de enquetes de opinião, como essa ora realizada pelo CFM. Questões científicas são tratadas por cientistas, mediante procedimentos rigorosos e mundialmente consagrados".

Numa carta aberta e conjunta, a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) criticaram a pesquisa picareta:

"Esta pesquisa está aberta a todos os médicos, com quatro perguntas sem opção de argumentos ou comentários, desprovida de metodologia adequada para os objetivos propostos".

E ainda:

"Existem claras evidências que apontam os benefícios da vacinação pediátrica na prevenção das formas agudas da doença, reduzindo o risco de hospitalizações, bem como suas complicações em curto e longo prazo na população pediátrica. Estas evidências apontam a necessidade de que tenhamos vacinas atualizadas e disponíveis para o grupo de crianças menores de 5 anos, onde ainda temos uma proporção significativa de crianças nunca infectadas e sem doses de vacina".

Para a Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), equiparar "crenças pessoais à ciência, como proposto pela pesquisa do CFM, pode gerar insegurança" entre os médicos e afastar a população das vacinas.

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

É preciso que o Ministério Público Federal entre em ação. As pessoas têm o direito de achar que a Terra é plana, desde que não empreguem recursos públicos no exercício de sua crença amalucada ou que suas decisões não ameacem interesses coletivos -- e, sim, o Conselho Federal de Medicina interfere nos rumos da saúde no Brasil.

Como define o próprio site da entidade, sua missão é "promover o bem-estar da sociedade, disciplinando o exercício da medicina por meio de sua normatização, fiscalização, orientação, formação, valorização profissional e organização, diretamente ou por intermédio dos Conselhos Regionais de Medicina (CRMs), bem como assegurar, defender e promover o exercício legal da medicina, as boas práticas da profissão, o respeito e a dignidade da categoria, buscando proteger a sociedade de equívocos da assistência decorrentes da precarização do sistema de saúde."

Pergunto ao MPF: ao fazer a sua enquete, o "negacionismo indagativo" do CFM promove o exercício legal da medicina? Fiscaliza e ajuda a formar bons profissionais? Protege a sociedade brasileira de equívocos? É bom que se note que um conselho profissional exerce um trabalho de controle que é delegado, na prática, pelo Estado.

CAMINHANDO PARA A CONCLUSÃO

O CFM, desde a pandemia, com sua postura inicialmente covarde sobre a vacina e omissa em relação ao despropósito da cloroquina, se tornou um bastião ideológico da extrema-direita, aviltando a profissão, enlameando a ciência e pondo em risco a sociedade brasileira, em vez de protegê-la.

Dispõe o Artigo 20 do Código de Ética Médica que é vedado ao profissional:

"Art. 20. Permitir que interesses pecuniários, políticos, religiosos ou de quaisquer outras ordens, do seu empregador ou superior hierárquico ou do financiador público ou privado da assistência à saúde, interfiram na escolha dos melhores meios de prevenção, diagnóstico ou tratamento disponíveis e cientificamente reconhecidos no interesse da saúde do paciente ou da sociedade".

Quando o próprio Conselho Federal de Medicina, que tem dimensão e tarefas públicas, viola o Código de Ética Médica, contrariando a lei, a decisão do Supremo e a ciência, algo está profundamente errado e pede imediata investigação.

Para registro: a Covid havia matado, até o dia 12 de janeiro deste ano, 708.739 pessoas. Embora haja uma queda dos casos fatais — as vacinas, afinal, funcionam —, a primeira semana epidemiológica de 2024 (de 7 a 13 de janeiro) registrou 19.950 novas contaminações, com 101 mortes. Ainda é uma doenças que mais matam no país. Mesmo assim, o CFM quer brincar de fazer enquete.

Dados os protestos, o conselho emitiu uma nota em que se lê este mimo:

"O CFM respeita o direito de outras entidades médicas se posicionarem sobre a realização da pesquisa, entendendo que essas manifestações enriquecem o debate ético e científico, desde que não atendam a interesses pessoais, políticos, ideológico ou financeiros."

Percebam a sugestão nada sutil de que a defesa da vacina estaria atendendo a alguma conspiração de natureza financeira. Por que a CFM não indaga se, no caso de uma pneumonia bacteriana, deve-se ministrar ao doente um antibiótico ou uma mistura de chá de camomila com reza braba?

O CFM é uma autarquia profissional de direito público, que exerce um controle que lhe é delgado pelo Estado e pela sociedade. Investigação já!

DE VOLTA AO PRIMEIRO PARÁGRAFO

Será que também a defesa da vacina e da ciência entra na cota da minha "adesão à esquerda". A ser assim, o esquerdismo se torno no Brasil uma força neo-iluminista, não é mesmo?

Nenhum comentário: