quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

Heleno na PF e o dom que tem Bolsonaro de piorar os que convivem com ele



Este é um texto que une pontas de uma história e trata de vitórias e derrotas.

Bem, o inevitável aconteceu: a Polícia Federal intimou o general Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete da Segurança Institucional, a depor no inquérito que investiga a existência de uma "Abin do B" dentro do Abin entre 2019 e 2021. "B" de Bolsonaro, não de Brasil. O órgão em que estourou o escândalo da espionagem a políticos (até alguns da então situação), magistrados, oposicionistas e jornalistas era subordinada ao GSI. Nota: no governo Lula, a agência migrou para a Casa Civil. Em tese, Heleno era o chefe de Alexandre Ramagem. Só no papel. De fato, o agora deputado federal (PL-SP) prestava contas apenas ao golpista e era um homem de confiança da família

Nem por isso se deve supor que, em matéria de democracia, Heleno seja uma dessas almas pias, cujo fervor o leve a se ajoelhar no altar do estado de direito. Não vou me estender agora na linhagem, digamos, intelectual a que pertence o militar. Noto rapidamente que nunca integrou as fileiras mais arejadas das Forças Armadas. Mesmo assim, o establishment fardado contava com ele para conter os arroubos menos iluminados do chefe.

Não aconteceu. E há quem sustente, com o que concordo, que se deu precisamente o contrário: a convivência com aquele a quem chamam "Mito" despertou em Heleno e outros, especialmente fardados, de pijama ou não, maus instintos que estavam adormecidos. O ex-presidente tem a notável capacidade de piorar aqueles com quem convive. Gustavo Bebianno foi demitido da Secretaria-Geral no dia 19 de fevereiro de 2019, antes que se concluísse o segundo mês de governo. No dia 13 de junho daquele anho ano, o general Santos Cruz foi chutado da Secretaria de Governo. Não lhes faltava "bolsonarismo", mas entenderam que, passada a porfia eleitoral, era preciso governar com as instituições. Ocorre que o chefe queria outra coisa.

Vejam como são as coisas: atribui-se a Carlos Bolsonaro — ainda que não exclusivamente — a queda de ambos. A súcia de extremistas que cercava o então mandatário considerava, por exemplo, inaceitável que os dois concedessem simples entrevistas àquela tal "mídia". Ou que mantivessem uma interlocução minimamente civilizada com a oposição. Cinco anos depois, com a turma já apeada do poder, Carlos é um dos investigados na operação que apura a existência de uma "Abin do B". E então voltamos a Heleno.

Numa entrevista ao programa Roda Viva, no dia 2 de março de 2020, Bebianno denunciou a iniciativa do Zero Dois, que queria criar um sistema paralelo de informações e Inteligência. Citou o nome de Heleno:

"Um belo dia, o Carlos me aparece com o nome de um delegado federal de três agentes que seriam uma Abin paralela porque ele não confiava na Abin. O general Heleno foi chamado, ficou preocupado com aquilo, mas o general Heleno não é de confrontos, e o assunto acabou ali, com o general Santos Cruz e comigo. Nós aconselhamos ao presidente que não fizesse aquilo de maneira alguma, porque, muito pior do que o gabinete do ódio, aquilo também seria motivo para impeachment. Eu não sei, depois eu saí, se aquilo foi instalado ou não".

que coisa!

Bebiano foi demitido.

Santos Cruz foi demitido.

A Abin paralela foi criada.

Na casa da família Bolsonaro, em Angra dos Reis, um dos lugares em que se executou o mandado de busca e apreensão, estava Tércio Arnaud Tomaz, um dos integrantes do tal "Gabinete do Ódio", que teve um laptop apreendido pela PF.

É claro que Heleno vai dizer que não sabia de nada. Ademais, propor, numa reunião informal, ainda que com altas autoridades da República, a criação de um sistema de Inteligência clandestino não é crime. Ninguém estava obrigando a denunciar o rapaz por isso. Mas notem: criar o sistema ou se mobilizar para tanto — colocando em funcionamento, por exemplo, um software espião — aí já se trata de crime, sim.

Mirando, hoje, o conjunto da obra e de olho também na história, pode-se dizer que Bebianno e Santos Cruz ganharam quando perderam. Bolsonaro, Flávio e a súcia perderam quando ganharam.

Não vai sair barato.

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