terça-feira, 15 de janeiro de 2019

É irrelevante. Como não sabem o que fazer com as ilegais, Bolsonaro e Moro fingem fazer alguma coisa. Como antes…



Como sou uma pessoa ocupada, não vou entrar nas páginas da turma que faz proselitismo pró-armas. Mas elas devem estar bravas, algumas com a mão no coldre — do berro legal, assim espero. O decreto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro é irrelevante. Está aqui. O Brasil continuará a ser um dos países mais armados do mundo, com uma quantidade expressiva de armas legais e uma não-sabida de armas ilegais. A julgar pelos 63 mil homicídios por ano, quase 80% praticados por meio de armas de fogo, não deve ser coisa pouca.

É verdade! Não sabendo como combater a violência, os governos que antecederam Bolsonaro fizeram proselitismo contra o armamento legal. Houve até um plebiscito em 2005 para proibir a venda legal das ditas-cujas. A coisa trazia uma piada implícita: como o Estado brasileiro não tomava as medidas adequadas — e não estou dizendo que seja fácil fazê-lo — para coibir as armas ilegais, por que não proibir as legais? A maioria da população não caiu no truque.

Agora, Bolsonaro faz o contrário, devidamente escoltado por Sérgio Moro, o ministro encarregado de cuidar de políticas públicas contra a violência: como eles também não têm a menor ideia de como combater o armamento ilegal, por que não propor uma medida que, potencialmente ao menos, aumenta o número de armas legais? O truque mental é primário e até vai enganar alguns trouxas: já que a bandidagem se arma à vontade, vamos aumentar a segurança das pessoas de bem.

Tema até rende debate como direito individual, mas nem errado chega a ser como segurança pública; só é estúpido

Como sabe qualquer pessoa que se acerca da questão com um mínimo de honestidade intelectual e não está a serviço do bem-remunerado lobby do setor, possuir ou não uma arma pode até despertar um bom debate sobre direitos do indivíduo em confronto com as medidas restritivas impostas pelo Estado. Nas democracias mais sólidas do mundo, exceção feita aos EUA, há restrições severas para a posse e simplesmente se proíbe o porte ao cidadão comum. Em países com legislações assim e IDH similar ao americano, os mortos por 100 mil habitantes giram em torno de 1 — UM! Nos EUA, cinco. A evidência deveria bastar para as pessoas com algum pudor. A suposição de que restringir a posse e proibir o porte sejam práticas de Estados autoritários é uma estupidez. Um dos países mais armados do mundo é a Venezuela. Uma ditadura.

Se a questão comporta um debate sobre direitos individuais, há algo que nem deveria estar em questão: armar-se não é uma política de segurança pública, como sugeriu Bolsonaro no discurso que acompanhou seu decreto irrelevante. Todos os levantamentos, sem exceção respeitável, apontam que, armado ou não, reagir ao bandido é a pior escolha. As poucas pessoas que conseguem ser bem-sucedidas nesse embate não alteram as estatísticas — ao contrário: elas a confirmam. Não conheço um só policial, civil ou militar, e conheço muitos que recomende a reação. Nem como política pública de segurança nem aos próprios familiares.

Moro leva baile de bandidos no Ceará e flerta com mais perigo. Nota: decreto tira poder da Polícia Federal

Sérgio Moro, o ministro da Segurança Pública — e também da Justiça — leva seu despudor à solenidade. Pouco mais de duas semanas de governo, e lá está ele levando um baile da bandidagem do Ceará. Aliás, vamos aplicar o decreto de Bolsonaro às terras cearenses. Em que a população fica mais segura, dado o que se passa por lá? Flexibilizar a compra de armas não será um eventual benefício a alcançar apenas as pessoas de bem. Também as “do mal” podem se aproveitar da janela de oportunidades. “Ah, mas existem os requisitos para comprar as asmas…“ É verdade! Até gabinete de deputado consegue disfarçar práticas criminosas com o auxílio de laranjas, né? Por que estes não seriam usados para comprar armas?

De toda sorte, o grosso do armamento ilegal continuará a não ter relação nenhuma com o armamento legal. Para tanto, será preciso equipar a Polícia Federal, dar-lhe condições de atuar com mais eficiência nas fronteiras, azeitar o serviço de inteligência para conter o tráfico de armas… Tudo o que relaxar a posse e o porte de armas no país servirá aos bandidos, que estão organizados; o cidadão comum, coitado!, este não está. Sim, o decreto, do ponto de vista prático, é irrelevante. De todo modo, ele traz um conceito: diminui, em vez de aumentar, a ação da Polícia Federal no “fator armamento”. O controle da posse foi afrouxado. Reitero: não creio que isso levará as pessoas a comprar mais armas. Mas acho, sim, que as milícias, de todas as naturezas, vão se aproveitar para se armar ainda mais. Aí com a chancela do Estado. Não é preciso ser bidu para concluir que dobrar o prazo para a renovação do registro, de cinco para dez anos, contribuirá para que as armas legais caiam nas mãos dos ilegais.

Bolsonaro poderia parar por aí. Para todos os efeitos de propaganda, cumpriu uma promessa de campanha. A questão do porte — como informei aqui nesta manhã — não pode ser mudada por decreto e ficará por conta do Congresso. Caberá aos senhores deputados e senadores a decisão sobre aumentar ou não a circulação de armas, que é coisa distinta da posse e é que realmente conta como polícia de segurança pública.

Por Reinaldo Azevedo

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