Com o fim do mandato-tampão de Michel Temer, o Brasil passará a ter seis ex-presidentes vivos. Apenas um, Fernando Henrique Cardoso, está isento de complicações judicias. Os outros cinco servem de matéria-prima para enredos criminais. Repetindo: nada menos que 83% dos ex-inquilinos do Palácio do Planalto têm contas a ajustar com a lei. Além de Temer, frequentam os escaninhos do Judiciário José Sarney, Fernando Collor, Lula e Dilma Rousseff.
Sarney foi denunciado por corrupção e lavagem de dinheiro em agosto de 2017. A Procuradoria-Geral da República acusou-o de participar de um esquema de pilhagem montado pelo MDB na Transpetro, subsidiária da Petrobras. Sarney está prestes a sair do processo pela porta reservada aos encrencados idosos.
Há 12 dias, a procuradora-geral da República Raquel Dodge pediu ao Supremo Tribunal Federal que arquive o pedaço do inquérito referente a Sarney —não porque a inocência do réu foi comprovada, mas por prescrição. A possibilidade de punição do crime de corrupção prescreveu em 2016. A hipótese de castigo pela lavagem de dinheiro foi para as calendas neste ano de 2018.
A decisão final sobre o reconhecimento da prescrição será do ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo. A expectativa é de que ele endosse o pedido da Procuradoria. Assim, deve prevalecer no caso de Sarney o entendimento tácito segundo o qual todos os defeitos do réu devem ser perdoados com base na premissa de que ter 88 anos já é castigo suficiente para qualquer um.
Fernando Collor, que já carregava na biografia um impeachment, tornou-se réu na Lava Jato em agosto de 2017. Os cinco ministros da Segunda Turma do Supremo endossaram por unanimidade denúncia da Procuradoria que atribui a Collor a prática de três crimes: corrupção passiva, lavagem de dinheiro e comando de organização criminosa. O julgamento do caso se arrasta no Supremo.
Fiel ao seu bordão —"Nunca antes na história desse país…"—, Lula tornou-se o primeiro ex-presidente da história a ser condenado e preso por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Pegou 12 anos e um mês de cadeia no caso sobre o tríplex do Guarujá. Está encarcerado em Curitiba há quase nove meses, desde 7 de abril.
São grandes, muito grandes, enormes as chances de Lula amargar, nos próximos três meses, uma segunda sentença condenatória, dessa vez no processo que trata do sítio de Atibaia. Como se fosse pouco, o líder máximo do PT arrasta pelos 15 m² de piso de sua cela especial curitibana o rastro pegajoso de mais meia dúzia de ações penais.
Numa dessas ações, Lula faz companhia a Dilma Rousseff no banco dos réus. Ao lado de outros petistas, ambos respondem por formação de organização criminosa. O caso ficou conhecido como "quadrilhão do PT." Na denúncia, a Procuradoria acusou a cúpula do PT de receber R$ 1,48 bilhão em propinas desviadas de cofres públicos. Desde a conversão da denúncia em ação penal, no mês passado, Dilma perdeu sua aura de flor do lodo.
Com a posse de Jair Bolsonaro, Temer consolida sua posição no clube dos encrencados. Depois de cavar nos livros a posição de primeiro presidente da historia a ser denunciado três vezes em pleno exercício do cargo, o antecessor de Bolsonaro ostentará em regime de tempo integral sua condição de sócio-atleta da Lava Jato.
Além das três denúncias criminais —duas por corrupção e lavagem de dinheiro, outra por obstrução de Justiça— Temer responsável de a um inquérito resultante da delação da Odebrecht. Convive, de resto, com outros cinco pedidos de abertura de investigações novas —filhotes do inquérito sobre o setor portuário.
Reza a Constituição que o Brasil é uma República. Os contenciosos judiciais indicam, contudo, que vigora no país uma espécie de cleptocracia monárquica. Nela, reina a suspeição. Não bastasse a sensação de ser pilhado, o brasileiro é forçado a conviver com o incômodo adicional de custear benesses destinadas a ex-presidentes em litígio com a lei.
Cada um dos ex-presidentes desfruta de dois veículos oficiais com motoristas, quatro seguranças e dois assessores de nível superior. No caso do presidiário Lula, os benefícios haviam sido suspensos por ordem do juiz federal Haroldo Nader, da 6ª Vara Federal de Campinas.
No seu despacho, o doutor Nader argumentara que, preso em Curitiba, sob custódia permanente da Polícia Federal, Lula dispõe de mais segurança do que se estivesse em liberdade, sob proteção dos dois guarda-costas destacados para acompanhá-lo. O magistrado avaliou também ser "absolutamente desnecessária a disponibilidade de dois veículos, com motoristas, a quem tem direito de locomoção restrito ao prédio público" da PF.
Entretanto, o desembargador André Nabarrete Neto, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, restabeleceu há oito meses o "direito" de Lula de manter carros e assessores bancados pelo Tesouro Nacional mesmo enquanto estiver preso. Atendeu a um pedido da defesa de Lula.
Em seu despacho, Nabarrete Neto escreveu que, de acordo com a lei, "aos ex-presidentes da República são conferidos direitos e prerrogativas (e não benesses) decorrentes do exercício do mais alto cargo da República e que não encontram nenhuma limitação legal, o que obsta o seu afastamento pelo Poder Judiciário, sob pena de violação ao princípio da separação dos poderes, eis que haveria evidente invasão da competência legislativa".
A prevalecer esse entendimento, o brasileiro em dia com a Receita Federal será condenado ao custeio perpétuo dos mimos funcionais destinados aos ex-presidentes —mesmo que eles sejam condenados e presos.
Por Josias de Souza
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