quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Vereadora se recusa ler a Bíblia e gera polêmica na Câmara de Araraquara


Vereadora Thainara Faria (PT) durante fala na tribuna da Câmara (Foto: Assessoria de Imprensa Câmara Municipal de Araraquara)

Segundo o regimento interno da Câmara, a leitura da Bíblia deve ser feita pelos parlamentares em todas as sessões, obedecendo à sequência da ordem alfabética.

Caso algum não queira participar do rodízio, deve solicitar a retirada de seu nome da lista elaborada para este fim.

Estado Laico

Estudante de direito, aos 22 anos Thainara é a mulher mais jovem e a primeira negra a ocupar uma cadeira na Câmara de Araraquara.

Em seu primeiro discurso, ela afirmou que o Brasil é um Estado Laico e, por isso, as entidades governamentais têm de ser neutras em relação às religiões.

“Sou católica praticante, mas não posso doutrinar minha religião aos outros, isso é um erro. Meus princípios e o princípio religioso que sigo tem que ser para ‘Thainara Faria’ pessoa. A vereadora tem que representar o povo. Eu não posso colocar meus interesses particulares e pessoais de religião no ambiente político, isso é um erro”, justificou.

Thainara ainda sugeriu aos outros 17 vereadores a ampliação do leque espiritual, contemplando a leitura de outros livros sagrados, como o evangelho kardecista, o alcorão e até mesmo textos sobre o ateísmo.

“É uma infelicidade que o povo não tenha conhecimento e domínio da lei, mas o legislador, o vereador, o parlamentar, era pra ter o conhecimento da lei e não fazer nada que ferisse a constituição. A gente espera que o parlamentar conheça a constituição, conheça os princípios do nosso país, mas eles não conhecem”, criticou a vereadora.

Câmara

O artigo 148 que define a leitura da Bíblia nas sessões foi instituído em 21 de julho de 2006, no regimento interno da casa.

O presidente da Câmara Jeferson Yashuda (PSDB) afirmou que o documento garante a livre opinião do vereador, além de garantir o direito do mesmo se recusar a ler o trecho do livro sagrado.

“Foi passada uma lista para todos os vereadores e eles assinalaram que desejariam, por ordem alfabética, ler um trecho da Bíblia. A vereadora Thainara fez a opção contraria, mas isso é uma coisa interna. Na verdade, muitas vezes ninguém perceberia que ela não estaria fazendo, porém ela quis manifestar sua opinião e nós respeitamos a opinião dela”, disse.

Segundo o Yashuda, que está no segundo mandato, esta é a primeira vez que alguém se posiciona contra a leitura nos últimos oito anos. “A posição da vereadora é legítima, previsto no regimento. Agora a manifestação dela que causou surpresa, causou essa repercussão toda”.

Vínculos com igrejas

O cientista político Gabriel Antonio afirmou que, embora o Estado seja religiosamente neutro, é possível estabelecer vínculos com igrejas desde que visem, na forma da lei, ao interesse público.

“É importante esclarecer que a oferta de serviços religiosos, como a realização de cultos, missas e orações, deve ser uma iniciativa de foro privado, restando ao Poder Público apenas a obrigação de garantir a liberdade de consciência e de crença, o livre exercício dos cultos religiosos e a proteção aos locais de cultos e suas liturgias, conforme apresenta o Inciso VI do Artigo 5º da Constituição”.

Ainda segundo o cientista, a imposição da leitura bíblica pode ofender o caráter laico do país. “Com base em uma interpretação estritamente constitucional do princípio da laicidade do Estado, é possível dizer que a leitura de trechos da bíblia em sessões camarárias, definida mediante imposição regimental, ofende o caráter laico do Estado brasileiro”.

Do G1 São Carlos e Araraquara.

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