sábado, 11 de fevereiro de 2017

O rebolado da patrulha


Lula no velório da mulher (Foto: Edilson Dantas / O Globo)

Depois dos aplausos a Lula em São Bernardo, vaias a Sérgio Moro em Nova York. Notícia hoje em dia é a que tem mais gente espalhando nas redes antissociais. Se você for muito curioso e obstinado, até descobre o que aconteceu de fato. Nas duas situações acima foi o seguinte: durante o velório de dona Marisa, Lula disse que não tem medo de ser preso e foi ovacionado por sua claque; em palestra na Universidade Columbia, meia dúzia de militantes tentou impedir a fala de Moro e foi vaiada pela plateia. A repercussão do protesto ganhou o mundo (da Lua). A realidade tem mania de atrapalhar a narrativa coitada.

Ninguém duvida do destemor de Lula. Quem não teme transformar o velório da esposa em comício não teme nada. E a claque foi junto. Um daqueles teólogos de passeata chegou a declarar que Moro devia pedir perdão a Deus pela morte de Marisa Letícia. Eles não economizam (o Brasil sabe disso). Dilma — não se esqueça dela — também apareceu, aproveitando a mensagem de solidariedade para encaixar um panfletinho contra os algozes da nobreza petista. Um show de elegância e dignidade.

Não se sabe se Deus perdoará o juiz Sérgio Moro pela perseguição a essa gente inocente, mas a providência divina tem sido sentida por aqui. O fato de Dilma Rousseff continuar à solta, por exemplo, é um milagre. Uma pessoa que esteve no epicentro do maior assalto à República estar flanando por aí, contando história triste para tolos e soltando frases de autoajuda no Twitter, só pode ser uma bênção dos céus. Aqui na Terra estão jogando o besteirol, tem muito choro contra Moro e Dallagnol. E agora a turma do mamãe Dilma eu quero voltar a mamar tem um truque novo: atacar Sarney e Renan Calheiros.

É um espetáculo impressionante o rebolado intelectual dessa gente bondosa, que agasalhou Renan e Sarney por 13 anos no camarote VIP da DisneyLula — e agora diz que a presidenta mulher foi arrancada do palácio para dar lugar a esses bandidos amigos do Temer. São os deuses da narrativa.

Vamos dar uma passadinha na realidade — esse lugar tosco e sem emoção — só para você poder ir ao banheiro e escovar os dentes. Intervalo comercial: Michel Temer é um político antiquado de um partido fisiológico; esse político assumiu a Presidência da República com a deposição da sua antecessora, flagrada numa fração dos crimes que cometeu (não se preocupe, na volta do intervalo a gente diz que foi golpe); o antiquado, fisiológico, branco, feio e chato Michel Temer tirou os simpáticos parasitas petistas do comando da engrenagem nacional — a saber: Fazenda, Banco Central, Tesouro, BNDES e Petrobras — e colocou lá os melhores gestores do mundo (são brasileiros, mas mundialmente reconhecidos). O resultado foi desastroso: o risco país caiu pela metade, a inflação despencou (e vai cair mais), os juros caíram, o câmbio idem, a bolsa subiu mais de 50%, e as projeções para a retomada do emprego são claras.

É ou não é um quadro terrível? Com a vida melhorando assim de forma obscena, como vamos poder encantar o povo com o nosso presépio de coitados profissionais? Se os demônios enxotaram os anjinhos, o pessoal vai perceber que há algo errado com esse inferno.

Daí surgiu a ideia genial: dizer que Temer está lá para proteger da LavaJato as raposas do PMDB — aquelas que eram uma fofura ao lado do Lula. Por outro lado, é importante continuar espalhando que Moro foi vaiado, que ele tem de fazer um estágio no purgatório etc, porque se ele pegar todo mundo — Lula, Dilma e as raposas do PMDB — pode sobrar só o pessoal que está consertando o Brasil. Aí seria o horror.

Isso já aconteceu na época do Plano Real, e foi muito triste. No que a vida do povo melhorou para valer, toda essa turma que fica linda no espelho fazendo papel de progressista sumiu. Ou melhor, podiam ser vistos pelos cantos, repetindo suas lamúrias populistas como Napoleões de hospício, sem conseguir impressionar nem adolescente em mesa de bar. Um flagelo.

Um dos eventos marcantes desse período foi a privatização da telefonia. Era a chance da ressurreição, a hora de se vestir de herói da esquerda contra a venda do que é nosso (deles). Muito grito e pedrada — olha a Cedae aí — para montar o enredo revolucionário, mas com final trágico: as telefônicas foram privatizadas, a vida do povo melhorou, e os canastrões da bondade caíram em desgraça.

Depois voltaram com tudo, e deram ao Brasil sua mais emocionante história (policial). Ano que vem tem mais. A não ser que os brasileiros se convençam finalmente de que a melhor encenação desses heróis é mesmo a de Napoleão de hospício.

Guilherme Fiuza , O Globo

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