Dilma Rousseff concedeu uma entrevista a 11 jornais latino-americanos. Lendo-se as respostas percebe-se que alguma coisa subiu à cabeça da presidente da República. Ainda não se sabe o quê. Mas é possível dizer que não se parece com bom senso. Segundo a presidente, “o Brasil não vive uma crise de corrupção, como afirmam alguns.” Espantoso!
O país ainda não se refez do mensalão. E o procurador-geral Rodrigo Janot já prepara para fevereiro um lote de pedidos de investigação e denúncias contra dezenas de congressistas pilhados com a mão na cumbuca da Petrobras. Dilma reage como uma pessoa que caiu de um edifício de 20 andares e, de passagem pelo 10º pavimento, olha pra baixo com expressão de alívio: “Até aqui, tudo bem.”
Dilma atribui ao próprio governo o desmantelamento da quadrilha que agia na maior estatal do país. “Nos últimos anos começamos a por fim a um longo período de impunidade. É um grande avanço para a democracia brasileira.” Assombroso! O governo enfia piratas dentro do cofre da Petrobras, convive com o saque e, na hora do flagrante, enaltece as maravilhas do processo democrático.
Questionada sobre os possíveis efeitos da Operação Lava Jato na estabilidade política do seu segundo mandato, Dilma desconversou: “Minha indignação com as denúncias que envolvem a Petrobrás é a mesma que sentem todos os brasileiros. E quero, como todos eles, que os culpados sejam punidos.”
A presidente reiterou a pregação segundo a qual todos os brasileiros são iguais perante a lei. “No Brasil não há intocáveis. Qualquer um que não trate o dinheiro público com seriedade, honestidade e eficiência deve pagar por isso. Esse é um compromisso do meu governo.''
A certa altura, Dilma foi submetida a uma pergunta singela: como pode liderar uma campanha anticorrupção séria se o seu próprio partido é protagonista do escândalo da Petrobras, empresa na qual a senhora foi presidente do Conselho de Administração no período em que ocorreram os fatos denunciados?
Ao responder, Dilma absteve-se de explicar por que não sabia dos desvios praticados na estatal que acompanhou tão de perto. Esquivou-se também de justificar o envolvimento do PT na petrorroubalheira. Preferiu apontar o dedo para o passado. Sem citar nenhum antecessor, disse que a encrenca vem de longe.
“Essas investigações têm levado ao desmantelamento de um esquema que é suspeito de ter décadas de existência, antes dos governos do PT'', declarou a presidente, após repetir que é a Polícia Federal do governo dela que desbarata o esquema —não citou o Ministério Público Federal nem o juiz paranaense Sérgio Moro, cuja atuação tem sido vital para o avanço dos inquéritos.
Do modo como se expressa, Dilma parece considerar que, sem o suposto protagonismo do seu governo, a investigação nem existiria. “Quero ressaltar que somos nós, meu governo, que temos liderado o processo contra a impunidade no Brasil, pondo fim à era em que os ilícitos se ocultavam embaixo do tapete.”
Dilma animou-se a repetir algo que já dissera durante a campanha eleitoral. Ela alega ter mandado ao olho da rua o hoje delator Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento da Petrobras. “Eu mesma despedi, três anos antes das investigações, o diretor que confessou para a Justiça a existência de um esquema de desvio de dinheiro na Petrobrás.'' Curioso!
Em recente depoimento à CPI da Petrobras, Paulo Roberto disse que pediu desligamento da estatal. Estava “enojado”, justificou. Há na praça uma ata da reunião em que o Conselho de Administração da Petrobras recobriu Paulo Roberto de elogios na hora da saída. No texto, os conselheiros agradecem os “relevantes serviços prestados” pelo corrupto confesso que Dilma diz ter demitido.
A presidente reeleita ainda não se deu conta. Mas a plateia talvez se anime a levá-la mais a sério se o discurso oficial ganhar uma dose de autocrítica.
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