sábado, 20 de dezembro de 2014

A penúltima da Dilma: pacto contra a corrupção!



Dilma Rousseff está muito preocupada com a corrupção. Isso ficou nítido na cerimônia em que ela recebeu no TSE o diploma de presidente reeleita. Num discurso de 16 minutos e 17 segundos, a presidente citou a ‘Petrobras’ oito vezes. Pronunciou a palavra ‘corrupção’ seis vezes. Isso sem contar uma menção a ‘irregularidades’ e outra a ‘malfeitos’. A lama prevaleceu com folgas sobre a ‘inflação’, lembrada pela oradora uma mísera vez. Pouca gente reparou. Mas foi um discurso histórico.

Doze anos depois da chegada do PT ao poder federal, Dilma estufou o peito como uma segunda barriga e bradou: “Chegou a hora de firmarmos um grande pacto nacional contra a corrupção, envolvendo todos os setores da sociedade e todas as esferas de governo. Esse pacto vai desaguar na grande reforma política que o Brasil precisa promover a partir do próximo ano.”

Dilma avisou que “a guerra contra a corrupção” não será fácil. Não, não. Absolutamente. “A corrupção, como outros pecados, está entranhada na alma humana”, disse ela. Exige “permanente vigilância”. Prepare-se, a presidente conta com a sua ajuda. A tarefa não é de responsabilidade apenas das instituições ou do governo, alertou Dilma. A missão é de “toda a sociedade.”

Dilma deixou claro que os brasileiros podem contar com ela: “O que mais quero oferecer ao meu país é a luta renovada…” Reiterou seu “compromisso com a ética”, potencializado pelo seu “exemplo de integridade e de honestidade pessoal.” Daí a sua inabalável “determinação de apurar e punir todo tipo de irregularidades e malfeitos.”

Abre parênteses: em matéria de honradez, Dilma trava com seu antecessor uma renhida disputa. Difícil saber qual dos dois é mais íntegro. Na semana passada, discursando para militantes petistas, Lula havia se comparado aos antagonistas tucanos: “Eu vou contar uma coisa pra vocês”, declarou. “Não sou melhor do que ninguém. Mas se enfiar todos eles, um dentro do outro, eles não são mais honestos do que eu. Não são!” Fecha parênteses.

Antes que alguém tente desmerecer o pacto proposto por Dilma, é bom que se diga: a exemplo de Lula, ela sempre defendeu o combate à corrupção. O que atrapalha a dupla é que suas frases não conseguiram passar do estágio da retórica para a prática. Acontece o mesmo com a reforma política. Todo mundo apoia, desde que as mudanças não eliminem as mumunhas nem desmontem os esquemas.

No gogó, o governo brasileiro é o mais bem-intencionado do mundo. A transição da saliva para o fato é que faz desandar a receita. A pirataria na Petrobras apenas potencializou pantomima, aproximando o Brasil do escárnio. Não é culpa do PT e dos seus aliados, esclareceu Dilma: a corrupção “não é defeito ou vício, como querem alguns, exclusivo de um ou outro partido.”

Dilma já não culpa o PSDB. Tampouco menciona o legado tóxico de FHC. Ela agora insinua que o verdadeiro culpado é o colonizador português: “Estamos purgando, hoje, males que carregamos há séculos. Assim como a mancha cruel da escravidão ainda deixa traços profundos na desigualdade social, o sistema patrimonialista de poder, que atravessou séculos e séculos da nossa história nos deixa uma herança nefasta, cujo traço mais marcante é, ainda, a não dissolução plena dos laços nocivos entre o que é público e o que é privado.”

Dilma avisou que vai “convidar todos os Poderes da República e todas as forças vivas da sociedade para elaborarmos, juntos, uma série de medidas e compromissos duradouros.” Mas a presidente pede a você que não espere muito da iniciativa dela: “não é um conjunto de novas leis que irá resolver, por si só, este grave problema. É preciso uma nova consciência, uma nova cultura fundada em valores éticos profundos.”

É preciso que você faça a sua parte, alertou Dilma. A “nova consciência” ética não vai jorrar de uma jazida do pré-sal. Ela terá de “nascer dentro de cada lar, dentro de cada escola, dentro da alma de cada cidadão e ir ganhando, de forma absoluta, a esfera pública, as instituições – e todos os núcleos de decisões, tanto no âmbito público como no âmbito privado.”

A redenção não virá do dia para a noite. A presidente fez as contas. “Temos que criar uma nova consciência de moralidade pública e imbuir deste espírito as atuais e as próximas gerações. Sei que esse é um trabalho de mais de uma geração.” Quer dizer: se Dilma não estiver enganada, dentro de 30 ou 40 anos o Brasil será um país de mostruário. “Quero ser a presidenta que ajudou a tornar este processo irreversível”, prontificou-se a reeleita.

Durante a campanha eleitoral, Lula levou a cara à propaganda da televisão para declarar que o segundo mandato de Dilma será muito melhor do que o primeiro. Para que o segundo reinado fique ainda mais perfeito, será necessário providenciar um vilão. Mas tem que ser um vilão inquestionável, desses que a maldade está na cara.

Um vilão assim exibiria um riso cínico no canto da boca antes de, por exemplo, entregar diretorias da Petrobras ao Paulo Roberto Costa, ao Renato Duque, ao Nestor Cerveró e aos seus padrinhos políticos do PP, do PT e do PMDB. Um vilão genuíno entregaria o comando da Transpetro ao Sérgio Machado, homem do Renan Calheiros, sem deixar dúvidas sobre a indecência do seu ato.

A exemplo do que sucedera na gestão Lula, o que atrapalha o governo de Dilma é o excesso de qualidades dos gestores públicos e dos seus apoiadores. São um bando de patriotas simpáticos, fazendo vilanias com as melhores das intenções. Frequentam um mundo no qual não existe diferença entre aplicar o orçamento público em benefício da sociedade ou mandar a verba para uma conta numerada na Suíça.

Ao atribuir toda a amoralidade governamental à herança ibérica, Dilma açula a imaginação dos brasileiros. Ah, como seria diferente o Brasil se naquele 22 de abril os portugueses tivessem sido escorraçados de nossas praias. Uma nação habitada apenas por índios teria vantagens e desvantagens. Para começar, você e sua carga genética europeia ou africana não existiriam. Em compensação, também não existiriam os renans, os sarneys e outras greis. E ninguém seria obrigado a conviver com o cinismo. Ou com propostas de pacto anticorrupção. Que às vezes são a mesma coisa.

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