
Se alguém lhe desejar um ‘próspero Ano-Novo’ à zero hora desta quinta-feira, 1º de janeiro de 2015, desconfie —é cinismo, ingenuidade ou desinformação. Hoje, prosperidade é outro nome para ilusão. Chama-se Joaquim ‘Mãos de Tesoura’ Levy o substituto de Mantega. Ele chega para desfazer os truques. Depois da tempestade provocada pela contabilidade criativa, virá a cobrança.
O otimismo é uma obsessão das passagens de ano. Se, ao mastigar a lentilha, você ficar tentado a entrar na onda, experimente fazer um exercício mental. Imagine que o Brasil pode melhorar, deve melhorar, tem que melhorar. Finja que o momento é agora. Simule otimismo. Faça cara de quem acredita que tudo dará certo em 2015. Muito bem. Agora, pense no novo ministério da Dilma.
O Kassab nas Cidades, El Cid na Educação, o filho do Jader na Pesca, o afilhado do Renan no Turismo, o pastor da Universal no Esporte, o amigo do Valdemar Costa Neto nos Transportes e um estonteante etcétera… Desanimou, certo? Natural. É impossível pensar no novo ministério da Dilma e continuar otimista. Não há o menor risco funcionar.
Antes mesmo do Ano-Novo, Dilma decidiu que, no segundo mandato, será outra mulher. Ela se apalpou e detectou insuspeitados focos de prosperidade na cintura. Numa noite úmida do verão brasiliense, acordou sobressaltada no Alvorada. Sonhara que era o Delfim Netto. Teve de certificar-se de que a escolha de Levy não fizera dela uma neoliberal, embora precisasse de uma dieta. Se tudo der certo, chega à hora da posse 13 quilos mais magra. No momento, pesa-lhe apenas a consciência.
Alguém que ainda consegue discursar em defesa da moralidade depois de ter comandado o Conselho de Administração da Petrobras e de não ter notado que o patrimônio nacional era saqueado pelos esquemas que acompanham o petismo no poder…, uma pessoa assim tão, digamos, distraída, é um desafio à oftalmologia, não a presidente reeleita que 2015 mereceria para ser feliz.
Dentro de poucas horas, na cerimônia de posse, Dilma lerá mais um pronunciamento com as digitais de João Santana. Apelará para a fantasia que substitui e redime a realidade. Melhor que seja assim, porque a fantasia é sempre uma opção preferível ao caos. De resto, o convívio com empulhações é uma velha característica da vida nacional. Por que discriminar 2015? Não seria justo.
O país vive uma fase de especial vigor dessa sua peculiaridade. A inflação, os juros e a dívida pública estão nas alturas. O bom senso e o PIB rastejam próximos de zero. Mas o governo celebra o pleno emprego. Depois de uma eleição em que brincou de esconde-esconde, a presidente mostra a faca. Mas não corta direitos dos trabalhadores. Apenas corrige “distorções”.
Dilma leva ao pé da letra o lema de sua campanha: governo novo, ideias novas. Em alguns setores, tem-se a impressão de que, de fato, nada será como antes. Do ponto de vista econômico, Dilma aderiu a Aécio Neves. Se tudo correr como foi planejado por Lula, a presidente fará com Levy aquilo que a lógica e o mercado financeiro esperam dela. Na hipótese de dar certo, a situação vai piorar bastante antes de melhorar.
Pode haver algum desemprego. Mas ninguém deve se preocupar. O sucesso da dieta afastou o risco de a Dilma ser um Delfim Netto disfarçado. Ela continua sendo uma governante de esquerda. Mantém o ideal socialista amparada por uma estrutura parlamentar dominada pelo reacionarismo. Mas não vai barganhar a alma —mesmo porque ela continua prometida ao Lula.
Se você quiser, a despeito de tudo, continuar a crer num “próspero 2015” sem correr riscos, convém simplificar sua ilusão e adotar certas precauções. Sempre que der de cara com o Paulo Maluf defendendo o governo, não desanime. A Justiça Eleitoral considerou-o um ficha-limpa. Ele estará na Câmara em 2015. A reincidência do Maluf é parte da prosperidade de faz-de-conta.
Leve no bolso do colete uma dose de ceticismo. Não traz felicidade, mas funciona como uma espécie de Isordil metafórico. Evita, por exemplo, o infarto dos eleitores de Dilma na hora que se derem conta de que votaram no aumento do superávit primário. Paciência. Embora o João Santana não tenha avisado, é assim mesmo. Depois da tempestade, sempre vem a cobrança.
Para que o ruim não fique ainda pior, abra bem os olhos na hora da virada. Do contrário, o último a sair de 2014 rouba a luz.