terça-feira, 20 de novembro de 2012

Consciência não tem cor

A maior qualidade da democracia brasileira não está na separação de seus cidadãos pelo critério da cor, mas justamente na miscigenação, como evidenciam Freyre, em Casa Grande e Senzala; e Kamel, em Não Somos Racistas.

Hoje é o dia da consciência negra. Pela lógica, o fato de seres humanos possuírem cores diferentes basta para invalidar qualquer tipo de discriminação, uma vez que todos possuem a mesma constituição física. No entanto, como sabemos, o racismo existe em variadas formas, a depender do período histórico e da sociedade analisados.

O problema de haver um dia para comemorar a “consciência negra” reside no fato de que se está promovendo uma distinção que separa as pessoas pelo critério da cor. Por esse princípio, seria natural haver o dia da “consciência branca”, ou da “consciência cabocla”, ou “quase-negra”, ou “amarela” etc, etc. A consciência, enquanto faculdade de discernimento sobre os próprios atos, é atributo individual e intransferível, independente do sexo ou da cor. Do ponto de vista coletivo, podemos ter o patriotismo, que é o sentimento de pertencimento identificado por uma cultura histórica capaz de garantir a unidade nacional. É, por tanto, uma soma. Não pode haver, nesse grupo, uma categoria especial, pois todos se igualam na condição de brasileiros.

Dessa forma, grosso modo, a primeira medida para corrigir discriminações de natureza racial é o estabelecimento da igualdade jurídica entre os cidadãos. Qualquer exceção ao estabelecimento dessa noção igualitária, ainda que supostamente criada com as melhores intenções, resulta em… racismo!

Não estou afirmando que inexiste discriminação racial no Brasil. Digo apenas que o racismo brasileiro é um fenômeno cultural de difícil identificação, que na maioria das vezes se manifesta em forma tácita. Não existem, pelo menos não existiam até a criação das cotas raciais nas universidades federais, leis de discriminação. Não há impedimentos legal para que um negro ou um amarelo tenham acesso a qualquer bem ou direito, ou que privilegiem um branco, garantindo-lhe regalias. Portanto, em nossa sociedade, a melhor forma de combater o preconceito de cor é a promoção da boa educação para o exercício da democracia. Não se trata definitivamente, de um problema de legislação.

Casa-grande e Senzala, escrito pelo sociólogo Gilberto Freyre, em 1933. Trata-se de um imenso painel que, entre outras coisas, traz o registro detalhado do processo de miscigenação que fez do Brasil um país multi-racial. Para Freyre, essa mistura seria a maior qualidade do nosso povo, a matriz da identidade nacional.

Não Somos Racistas, do jornalista e sociólogo Ali Kamel, de 2007. É um alerta para o perigo de perdermos a noção positiva da miscigenação, devido ao pensamento bicolor que busca dividir o Brasil apenas entre brancos opressores e negros oprimidos. “Num país em que no pós-Abolição jamais existiram barreiras institucionais contra a ascensão social do negro, num país em que os acessos a empregos públicos e a vagas em instituições de ensino público são assegurados apenas pelo mérito, num país em que 19 milhões de brancos são pobres e enfrentam as mesmas agruras dos negros pobres, instituir políticas de preferência racial, em vez de garantir educação de qualidade para todos os pobres e dar a eles a oportunidade para que superem a pobreza de acordo com os seus méritos, é se arriscar a pôr o Brasil na rota de um pesadelo: a eclosão entre nós do ódio racial, coisa que, até aqui, não conhecíamos”, afirma Kamel.

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