terça-feira, 21 de junho de 2022

PF e militares como fiscais da eleição? Certo! E quem fiscaliza os fiscais?



Não há como negar o que está escancarado, visível, aos olhos de todos. Reconhecer o mal em curso não concorre para naturalizá-lo, como querem alguns. Ao contrário: talvez se possa evitar o caos. Caos que Jair Bolsonaro está disposto a provocar se perceber que vai perder as eleições. As ocorrências são graves, são sérias.

Anderson Torres, ministro da Justiça, enviou um ofício ao TSE informando que a Polícia Federal vai participar da "fiscalização e auditoria" das eleições em todas as suas etapas com "o propósito de resguardar o estado democrático de direito".

Aliás, isso virou um mantra de todos aqueles que se mostram dispostos a mandar a democracia às favas. Jair Bolsonaro está articulando a sua própria versão de um "golpe da legalidade", que seria, no caso, "golpe" pura e simplesmente.

O tom da mensagem é seco, quase hostil. Bolsonaro julga ter inimigos no TSE e exige que seus subordinados modulem a sua educação cívica segundo a do chefe.

O ofício informa que a auditoria e fiscalização incluirá os "sistemas e programas computacionais eleitorais empregados no escrutínio".

E com quais instrumentos a PF o faria? Torres informa: pode ser com o "desenvolvimento de programas próprios de verificação".

É fabuloso. Se a Polícia Federal vai fazer a auditoria da eleição, em todas as suas etapas, com "programas próprios de verificação", quem é que controla a qualidade do programa da Polícia Federal? Notaram o absurdo? O Brasil talvez faça a eleição mais vigiada do mundo — porque o sistema está exposto à ampla verificação, inclusive técnica —, mas aqueles que se apresentam como auditores controlam a si mesmos. Caso apontem alguma falha, quem pode garantir que o erro não está no modelo de auditagem?

A verdade é que o Ministério da Justiça já entrou no modo "pressiona TSE" e vai tentar arrastar consigo a Polícia Federal.

DEFESA DE NOVO
Em mais um ofício enviado a Edson Fachin, presidente do TSE, Paulo Sergio Nogueira, ministro da Defesa, diz que as Forças Armadas atuarão como "entidades fiscalizadoras do sistema eletrônico".

Escreveu:
"Informo que, à luz do disposto no art. 6º da Resolução nº 23.673-TSE, de 14 de dezembro de 2021, a participação das Forças Armadas como entidades fiscalizadoras do sistema eletrônico de votação dar-se-á de forma conjunta, por intermédio de uma equipe de técnicos militares, cujos nomes serão encaminhados a esse Tribunal oportunamente".

E o ministro pediu ainda que o tribunal aponte um funcionário para servir de contato com os militares.

O tal Artigo 6º prevê estas entidades como potenciais fiscalizadoras caso se apresentem para tanto:
I - partidos políticos, federações e coligações;
II - Ordem dos Advogados do Brasil;
III - Ministério Público;
IV - Congresso Nacional;
V - Supremo Tribunal Federal;
VI - Controladoria-Geral da União;
VII - Polícia Federal;
VIII - Sociedade Brasileira de Computação;
IX - Conselho Federal de Engenharia e Agronomia;
X - Conselho Nacional de Justiça;
XI - Conselho Nacional do Ministério Público;
XII - Tribunal de Contas da União;
XIII - Forças Armadas;
XIV - Confederação Nacional da Indústria, demais integrantes do Sistema Indústria e entidades corporativas pertencentes ao Sistema S;
XV - entidades privadas brasileiras, sem fins lucrativos, com notória atuação em fiscalização e transparência da gestão pública, credenciadas junto ao TSE; e
XVI - departamentos de tecnologia da informação de universidades credenciadas junto ao TSE.

E aponta que podem atuar de modo consorciado. No texto da Defesa, não fica exatamente claro se "a participação de forma conjunta" se refere aos demais entes que são potenciais fiscalizadores ou, como penso ser, às Três Forças apenas.

Resoluções do TSE sobre o tema — a 23.673 e a que a antecedeu — flertam, vamos convir, com o perigo, não é? Não se define com precisão em que consiste essa fiscalização. Isso terá de passar por revisão para futuras eleições.

HOSTILIDADE DESCARADA
Fez-se nesta segunda uma reunião conjunta, virtual, entre a Comissão de Transparência Eleitoral (CTE) e o Observatório de Transparência das Eleições (OTE). O general Heber Portella, o representante das Forças Armadas, não disse absolutamente nada e ficou todo o tempo com a câmera desligada.

Bolsonaro, já escrevi aqui algumas vezes, não deixa de ter um dom notável. Ele nunca melhorou em razão da convivência com gente melhor do que ele. Mas jamais houve alguém melhor do que ele que, mantendo-se no cargo, não tenha piorado substancialmente. Quem se negou a decair foi demitido.

O Brasil é única democracia das Américas em que o governo de turno se vê tentado a não respeitar o resultado das urnas, se este lhe for adverso, embora o sistema de votação possa ser considerado o mais seguro da Terra.

Por Reinaldo Azevedo

Nenhum comentário: