sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

Huck desiste; percebe que salvadores da pátria andam sobre nuvens, mas sem avião subsidiado



Vamos falar de um assunto chato: a suposta candidatura de Luciano Huck, a Inês de Castro da TV Globo: aquele que foi sem nunca ter sido. Bem, agora parece que é pra valer. Ele não vai mesmo ser candidato. Segundo Mônica Bergamo, na Folha, um amigo seu revelou que ele está de tal ordem frustrado que teria dito: “Vou ali chorar um pouquinho e já volto”. Tal amigo teria afirmando ainda: “O corpo todo se preparava e se movia para a chegada dessa nova vida. E ela teve de ser interrompida. É frustrante”.

É mesmo? De saída, noto duas coisas:
1: o amigo admite que o apresentador mentiu, coisa muito frequente em política, quando afirmou, em artigo publicado na Folha em novembro do ano passado, que não seria candidato. Era só um truque recomendado por algum marqueteiro: “Melhor submergir por enquanto para não ser alvo;
2: não faz o menor sentido afirmar que ele só desistiu por pressão da Rede Globo, uma vez que a emissora teria ameaçado — ou qualquer verbo equivalente — tirar do ar o seu programa e também o de sua mulher, Angélica.

Tenho pouco a acrescentar à primeira questão. A mentira certamente não é o melhor caminho para quem pretende falar em nome da “nova política”. Mente-se desde o paraíso edênico. Quem se apresenta em nome da novidade não pode ser flagrado no mais vulgar de todos vícios. Já a conversa mole sobre a pressão da Globo pede que eu me alongue.

Sabem por que se trata de um despropósito? Ora, não constitui novidade o fato de que, se candidato fosse, Luciano perderia o programa. E seria forçoso que o mesmo acontecesse com sua mulher. Ou qual a alternativa? Ele ser candidato, mas se mantendo no ar? Sim, o apresentador decidiu entrar na barca perigosa sem pedir autorização à emissora que o emprega. Quando, no entanto, na condição de pré-candidato — só admitida depois da desistência —, foi fazer proselitismo político no “Domingão do Faustão”, não foi certamente sem a anuência da chamada alta cúpula que a peça publicitária foi ao ar.

Esse papo de que a pressão da Globo pesou em sua decisão vale uma nota de R$ 3. Até porque não poderia ser diferente. O que definiu a desistência foi outra coisa.

Huck conheceu só um pouquinho do inferno que é ser político hoje em dia, especialmente se tem alguma projeção. A notícia da compra de um avião com empréstimo do BNDES com juros subsidiados foi só um aperitivo do que viria. Como já deixei claro, nesse caso, ele não fez nada fora da lei. É apenas um dos ricos com direito a “Bolsa Avião”, um dos programas do PT cuja paternidade o partido rejeita. O banco permite que se manipule escandalosamente um programa cujo intento é subsidiar empréstimos para que o ente privado invista em tecnologia e bens de capital. Em vez disso, Huck e outros preferiram comprar um avião para o próprio conforto. A pobrada paga o pato.

E mais viria por aí, como o encruamento da ocupação, que foi considerada irregular, de uma área em Angra dos Reis, onde tem uma casa. Sua família seria arrastada para a campanha. E o apresentador e família corriam o sério risco de sair da campanha sem a Presidência e com uma biografia menor do que na entrada. Se malsucedido no pleito, a volta à Globo certamente seria problemática, quem sabe impossível, uma vez que se estaria empregando aquele que, afinal, teria se tornado um político.

Leio que Huck está frustrado porque estava convicto de que conseguiria se eleger, de que faria uma maioria congressual, o que facilitaria a aprovação de suas propostas — não sabemos quais porque, até agora, ele não as anunciou. Notem, diga-se, a heterodoxia: o homem era pré-candidato sem dizer o que pretendia e sem ter ao menos um partido. A possível barriga de aluguel era o PPS, que cumpre um papel ridículo nessa história toda.

E um pesado arsenal estava, sim, sendo mobilizado contra Huck, parte considerável dele traduzido em mísseis disparados contra a sua vida pessoal. Não! Não é algo que deva nos encher de orgulho, mas cabe a pergunta: é diferente com os outros políticos? A própria imprensa digna desse nome não submete os demais políticos — e Huck passaria a ser um — a esse mesmo escrutínio?

Queixo de vidro. Só por isso ele está caindo fora. Evidenciou que não é resiliente o bastante para a política. E é fácil saber por que assim é: notem que o apresentador não chegava como mais um a disputar as preferências, o imaginário e as esperanças das pessoas. Nada disso! A postulação vinha nas asas do salvador da pátria. Gente que se apresenta para esse papel não suporta o teste de realidade. Afinal, demiurgos não têm aviões subsidiados nem casa que ocupava área irregular num verdadeiro paraíso. Também não vai a festas. Não tem amigos ou sócios polêmicos. Salvadores da pátria andam sobre as nuvens. Não vale voar nas asas do BNDES.

É compreensível que alguém com a sua origem e o seu perfil acredite que possa resolver tudo num estalar de dedos. Olhem a dificuldade de um político experimentado como Michel Temer para aprovar a reforma da Previdência. “Ah, Reinaldo, é que os políticos ficam pedindo coisas a toda hora…” Talvez Huck alimentasse a ilusão de que, com ele, seria diferente.

Bem, não seria.

Fez bem em desistir. A sua simples postulação, oferecida como solução para a crise política em curso, já cobria o país de ridículo.

Por Reinaldo Azevedo

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