terça-feira, 2 de novembro de 2010

O futuro ou os ‘ismos’

Miriam Leitão (O Globo)

O momento é decisivo. O Brasil pode buscar o futuro, ou voltar a meados do século passado. A demonstração de força do presidente Lula ao eleger uma novata em eleições, sem os requisitos de carisma e capacidade de comunicação, pode ser o começo de um novo caudilhismo.

O projeto de Lula voltar em 2014 lembra o lusitano sebastianismo; a saudade do rei que partiu.

Na política econômica, o país voltou a se equilibrar sobre um velho tripé: a ideia de que o excessivo gasto público não produz inflação; prática no BNDES de escolha de empresas vencedoras para as quais destinar dinheiro subsidiado; grandes projetos conduzidos por empresas estatais. Isso é setentismo, o modelo dos militares nos anos 70 que nos levou ao inflacionismo e a esqueletos nos armários.

Qual é o ideário da presidente Dilma? Os sinais que deu são de que aposta nesse velho tripé do regime que, por ironia, combateu; e desconfia do tripé do novo Brasil que saiu do Plano Real e da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Uma mulher no mais alto cargo da República é um grande avanço. E esse progresso ficou bem definido pela presidente eleita em seu primeiro discurso. Ela disse que é o fim de uma barreira, o entendimento de que esse mesmo movimento precisa ser feito em todos os campos, organizações, empresas.

O Brasil está atrasado no esforço por igualdade de gênero. O risco, no entanto, é a confirmação dos estereótipos. Ela chegou lá pela força política de um homem, que a escolheu e a defendeu contra tudo e contra todos, passando por cima dos mais elementares limites institucionais da Presidência da República.

Dilma tem méritos e terá que mostrá-los agora. Se ela se comportar como a segunda em seu próprio governo, por gratidão ou reverência ao seu criador, ela confirmará a ideia do papel subalterno da mulher. As mulheres que estão na política não entraram todas pela mesma porta: algumas constroem sua própria trajetória; outras são usadas para ampliarem o poder patriarcal de algum chefe político ou de um clã no poder. Está aí a família Roriz que não me deixa mentir.

Como Dilma tem conteúdo e força própria, ela pode se afastar do modelo paternalista com que foi ungida e deixar sua marca na História. Que assim seja. De retrocessos as mulheres não precisam mais. O país pode estar quebrando o monopólio da presidência para os homens e no início da era em que será "natural", como disse a presidente, uma mulher no cargo; ou pode ser mais um caso de paternalismo.

A popularidade do presidente Lula também tem duas facetas. Uma moderna e outra velha. Em que vertente ela vai se consolidar é a grande questão. Um líder ser querido e ter alto índice de aprovação é bom.

O estilo de Lula, de líder de mobilização, ajudou a levá-lo ao patamar em que se encontra, mas a aprovação vem também do aumento da capacidade de consumo da população que se deve a inúmeros fatores, alguns remontando às decisões tomadas no governo de FHC, que ele tanto critica.

O risco é Lula usar essa popularidade para reconstruir no Brasil o ultrapassado modelo do caciquismo populista em voga em meados dos anos 50 na América Latina. Aí, o lulismo seria um evento da categoria do getulismo e do peronismo.

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