terça-feira, 5 de abril de 2022

Câmara faz de conta que mandato miliciano de Eduardo Bolsonaro não existe



Há na Câmara um Brasil fictício em que nada que os deputados façam é tão grave que justifique uma punição, muitos menos a cassação. Habitante desse mundo paralelo, Eduardo Bolsonaro já se referiu a uma deputada como Peppa Pig, a porca de um desenho animado; já mandou que as pessoas enfiassem as máscaras "no rabo", já defendeu a volta do AI-5 e acaba de debochar da tortura sofrida por Míriam Leitão na ditadura militar. A Câmara convive com o mandato miliciano do filho do presidente fingindo que ele não existe.

Alvejado por novos pedidos de cassação no Conselho de Ética da Câmara, Eduardo diz que querem passar o seu mandato na lâmina por causa de "uma piada". É nessa ficção que nenhum autor de novela assinaria para não passar por inverossímil que a Câmara decidiu viver. Os colegas já pouparam Eduardo Bolsonaro antes. Voltarão a arquivar o processo agora.

A diferença entre a ditadura e a democracia é que na democracia o direito de ser ouvido não inclui automaticamente o direito de levado a sério quando a piada é um crime como a apologia à tortura. Enquadrado no Código Penal, renderia uma sanção mixuruca: três a seis meses de cadeia ou multa. A cassação, acompanhada da inelegibilidade por oito anos, seria mais adequada. Mas a chance de acontecer é inexistente.

Impune, um deputado miliciano nos corredores e no plenário da Câmara é um personagem em constante mutação. De embaraço passa a hábito, de hábito evolui para parâmetro e, quando se percebe, nada mais precisa ser muito explicado —do orçamento secreto à utilização do plenário como covil de bandidos— no Legislativo que finge que nada aconteceu.

Eduardo Bolsonaro chegou à Câmara embalado por 1,84 milhão de votos. Foi um recorde histórico. O deputado vai à sorte das urnas em outubro. O eleitor de São Paulo pode cassá-lo. Ou pode fazer como a Câmara, fingindo que nada aconteceu. Nessa hipótese, será cumplice de mais um mandato miliciano.

Por Josias de Souza


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