quarta-feira, 23 de março de 2022

Nome do problema não é Milton Ribeiro, mas Jair Bolsonaro



Está evidente, não é de hoje, que o governo enferrujou. A corrosão é visível em toda a Esplanada —da pasta da Saúde à do Meio Ambiente, Itamaraty à Educação. O problema tem nome e sobrenome.

Se a encrenca se chamasse Eduardo Pazuello, a saída do general da pasta da Saúde teria saneado o setor. Se o nome da confusão fosse Ernesto Araújo, a queda do pior chanceler que o Itamaraty já conheceu teria evitado o vexame da visita presidencial ao Kremlin às vésperas da invasão da Rússia à Ucrânia. Se o descalabro pudesse ser batizado de Ricardo Salles, a fuga do personagem pela porta dos fundos teria restaurado o Meio Ambiente.

No Ministério da Educação, se o transtorno se chamasse Ricardo Velez Rodrígues ou Abraham Weintraub, a chegada do pastor Milton Ribeiro teria resolvido tudo. É evidente que a degradação do governo não se chama Pazuello, Araújo, Salles, Rodrígues ou Weintraub.

A decomposição se chama Jair Bolsonaro. Chegou ao Planalto como solução dos quase 58 milhões de brasileiros que o elegeram. Virou um problema ao fazer opção prioritária pela ideologia da crise, da trapalhada e do trambique. Dedica-se há mais de três anos à destruição do Estado. Não é conservador, mas arcaico.

Desde que o pastor Milton Ribeiro chegou à Esplanada, tinha-se a sensação de que o Nada despachava no principal gabinete do Ministério da Educação. Era inútil tentar enxergar o ministro em seu assento. O olhar atravessava o Nada e ia bater no couro do espaldar da poltrona.

Desejava-se um ministro menos anedótico que Velez Rodrígues e sem o espalhafato de Weintraub. Mas a sensação era de que Bolsonaro havia exagerado. Só de raro em raro o pastor Ribeiro ganhava o palco, como autor de alguma declaração polêmica.

De repente, o ministro abandonou sua invisibilidade da pior maneira. Virou protagonista de um escândalo. Encontra-se pendurado nas manchetes de ponta-cabeça. A voz de Ribeiro soou numa gravação afirmando que prioriza no MEC a liberação de verbas para prefeituras amigas de um par de pastores ligados à Assembleia de Deus.

No áudio, divulgado pela Folha, Milton Ribeiro declara que prestigia a liberação de recursos interditados por um dos pastores, Gilmar dos Santos, em função de um "pedido especial" de Bolsonaro.

A atuação dos pastores na pasta da Educação viera à luz na semana passada, em notícia do Estadão. Mas a menção a Bolsonaro elevou o patamar do caso.

O ministro estava em silêncio. O vazamento do áudio com a referência a Bolsonaro, o nome de todas as encrencas, forçou o ministro a se explicar. Parlamentares de oposição protocolaram notícia-crime no Supremo e pedido de investigação na Procuradoria. Até a bancada evangélica cobrou esclarecimentos.

Em nota oficial, o ministro admitiu a atuação dos pastores. Mas negou que tenha patrocinado irregularidades. Alegou que os pedidos de verbas são submetidos a análises técnicas. Não fez referência direta à gravação tóxica. Preocupou-se apenas em blindar o chefe.

Ribeiro anotou que Bolsonaro não pediu "atendimento preferencial" aos pastores. Determinou apenas que fossem recebidos. Ah, bom!

Ouve-se em Brasília um coro de vozes difusas pedindo a demissão do quarto ministro da Educação da era Bolsonaro.

O centrão já está na espreita. Enxerga na oxidação de Milton Ribeiro uma oportunidade para promover Marcelo Ponte ao posto de ministro. Trata-se de um ex-assessor do chefe da Casa Civil Ciro Nogueira. Hoje, Ponte está no comando do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, um cofre de R$ 45 bilhões.

Quer dizer: o eventual afastamento de Milton Ribeiro será inútil. Bolsonaro não substitui ministros. Por pressão, ele demite a si mesmo das pastas. Na sequência, o capitão se renomeia, acomodando nas poltronas novos prepostos tóxicos.

Por Josias de Souza

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