terça-feira, 8 de março de 2022

China virou o melhor sedativo para conter Putin


Os presidentes da China, Xi Jinping, e da Rússia, Vladimir Putin Imagem: REUTERS/Evgenia Novozhenina/Pool/File Photo

A guerra que a Rússia deflagrou na Ucrânia entra no seu 11º dia sem perspectiva de resolução. A superioridade militar russa vai se impondo num ritmo mais lento do que o Kremlin poderia supor. A resistência ucraniana gruda no semblante de Putin a aparência de um vitorioso derrotado. E empurra a China gradativamente da posição de coadjuvante para a de protagonista.

Na última década, China e Rússia estreitaram suas convergências. Desenvolveram uma relação de interdependência econômica e energética. E cultivaram o interesse recíproco de estabelecer um contraponto à hegemonia do ocidente. No mês passado, Xi Jinping e Vladimir Putin selaram o que foi batizado de "parceria ilimitada". Mas a reação da diplomacia chinesa à invasão da Ucrânia sinaliza que a parceria de Pequim com Moscou tem um limite: o pragmatismo econômico.

A China evitou votar contra a Rússia no Conselho de Segurança e na assembleia Geral da ONU. Tampouco votou a favor. Preferiu se abster. Para compreender a ambiguidade, é preciso atrasar o relógio até a morte de Mao Tsé-Tung, em 1976. No dia seguinte, a ditadura chinesa começou a restabelecer maciçamente os mecanismos de competição, do lucro e da propriedade privada. Abraçou o capitalismo, enfim, embora sob controle do Estado.

Hoje, a China tem negócios no mundo inteiro. É a segunda maior economia do planeta. Equipa-se para ultrapassar os Estados Unidos. Xi Jinping não parece predisposto a trocar décadas de planejamento estratégico por uma aliança irrestrita com Vladimir Putin. Os chineses tendem a extrair todos os benefícios da relação com os russos, sem negligenciar os seus interesses no mundo.

A proximidade entre a ditadura e a autocracia faz com que os chineses tenham uma ascendência sobre a Rússia, credenciando-se para o papel de mediadores. Esse protagonismo pode ser exibido sob holofotes ou longe dos refletores. Mas ele tende a ser exercido. Por duas razões:

1) As sanções econômicas sem precedentes impostas pelo ocidente afundaram a Rússia num fosso recessivo, com reflexos negativos nas outras economias.

2) Em meio a uma corrida com os Estados Unidos, a China não tem o mais remoto interesse no prolongamento da instabilidade. A bagunça que se estabeleceu na economia mundial provoca prejuízos que os chineses não parecem dispostos a amargar.

Putin declarou que as sanções econômicas "equivalem a uma declaração de guerra". Demora a perceber que o principal alvo atingido no confronto que produziu foi o seu próprio pé. Contratou um pós-guerra sombrio.

Na Ucrânia, Putin terá de lidar com o ódio de milícias civis armadas com antecedência pelos Estados Unidos e pela União Europeia.

Na Rússia, Putin terá de tourear a irritação doméstica. A repressão policial e a censura aos meios de comunicação talvez sejam insuficientes para deter a insatisfação com o sofrimento decorrente da asfixia econômica.

Tomado pela retórica, Putin ainda está distante da sobriedade. A China é, no momento, o melhor sedativo à disposição na praça para conter seus arroubos.

Por Josias de Souza

Nenhum comentário: