sábado, 6 de novembro de 2021

Rosa Weber determina que a cara dos neomensaleiros seja levada à vitrine



A ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, produziu um abalo sísmico em Brasília. O terremoto rachou o pilar que sustenta o apoio congressual do governo Bolsonaro. Em despacho divulgado na noite de sexta-feira, a magistrada emitiu duas ordens.

Numa, determinou a suspensão do pagamento das emendas secretas do orçamento federal. Noutra, deu prazo de 30 dias para que os pedidos dos parlamentares e a destinação do dinheiro sejam expostas em vitrine eletrônica, com "amplo acesso público", de modo a assegurar "ampla publicidade."

Significa dizer que, dentro de um mês, estarão escancarados na internet detalhes dos acordos monetários que o Planalto e seus apoiadores celebraram no escurinho. Vão à rede os rostos dos beneficiários ocultos, o montante que cada um mordeu e o modo como as verbas públicas foram aplicadas nos municípios que compõem a base eleitoral dos neomensaleiros da Era bolsonarista.

Acometidos de uma espécie de síndrome do que está por vir, lideranças governistas e auxiliares do Planalto analisaram os efeitos do despacho de Rosa Weber numa frenética troca de telefonemas e de mensagens de celular. As conversas entraram pela madrugada deste sábado. Os protagonistas exalavam nervosismo.

Discutiu-se a hipótese de recorrer contra a decisão da ministra, sob a alegação de que ela invadiu atribuições do Executivo e do Legislativo, subvertendo o princípio constitucional da independência entre os Poderes. Não houve uma conclusão sobre a conveniência do recurso.

Abespinhados, políticos e operadores do Planalto sustentam que Rosa Weber não deveria ter tomado decisões tão graves e categóricas num despacho monocrático (individual), de caráter liminar (temporário). A ministra enviou sua decisão para o presidente do Supremo, Luiz Fux. Pediu que as ações protocoladas por três partidos de oposição —Cidadania, PSOL e PSB— sejam submetidas imediatamente à apreciação do plenário da Corte, num julgamento definitivo.

Escalado para tocar o telefone para um ministro amigo do Supremo, um dos líderes partidários obteve duas informações que eletrificaram ainda mais o ambiente: 1) Fux cogita marcar o julgamento para o início da semana, agendando duas sessões extraordinárias. Uma na terça, outra na quarta-feira. 2) Não são negligenciáveis as chances de que a decisão de Rosa Weber seja avalizada pela maioria dos colegas.

Bem fundamentado, o despacho da ministra faz uma distinção entre as emendas orçamentárias regulares e as emendas secretas, concentradas nas mãos do relator do orçamento. Rosa Weber anotou:

"Enquanto as emendas individuais e de bancada vinculam o autor da emenda ao beneficiário das despesas, tornando claras e verificáveis a origem e a destinação do dinheiro gasto, as emendas do relator operam com base na lógica da ocultação dos congressistas requerentes da despesa".

Em timbre categórico, a ministra acrescentou: "Causa perplexidade a descoberta de que parcela significativa do orçamento da União esteja sendo ofertada a grupo de parlamentares, mediante distribuição arbitrária entabulada entre coalizões políticas, para que tais congressistas utilizem recursos públicos conforme seus interesses pessoais."

Para este ano de 2021, foram reservados para a gambiarra do orçamento paralelo cerca de R$ 18,5 bilhões. Estima-se que pelo menos R$ 9 bilhões já foram comprometidos. Desse total, algo como R$ 3,8 bilhões foram efetivamente pagos. Outros R$ 5,2 milhões foram empenhados. A emissão do empenho assegura a reserva do dinheiro, que aguarda na fila para a liberação.

A decisão de Rosa Weber chega dois dias depois da aprovação na Câmara, em primeiro turno, da proposta de emenda constitucional que acomoda numa laje acima do teto de gastos R$ 91,6 bilhões em despesas extraordinárias a serem executadas por Bolsonaro no ano eleitoral de 2022.

Às vésperas da votação, o governo liberou mais de R$ 900 milhões em emendas secretas. O estímulo monetário seduziu inclusive deputados de partidos que se dizem oposicionistas ou independentes. Confirmando-se a decisão de Rosa Weber todos serão arrancados da comodidade do anonimato.

Num dos trechos do seu despacho em que Rosa Weber ordena que seja levantado o tapete do orçamento paralelo, apelidado de novo mensalão, está escrito que todas as demandas de parlamentares beneficiados com emeneas secretas sejam registradas na plataforma eletrônica do Sistema de Planejamento e Orçamento Federal.

O objetivo, diz a ministra, é garantir "amplo acesso público, com medidas de fomento à transparência ativa, assim como sejam garantidas a comparabilidade e a rastreabilidade dos dados referentes às solicitações/pedidos de distribuição de emendas e sua respectiva execução, em conformidade com os princípios da publicidade e transparência". Fixou-se o prazo de 30 dias.

Rosa Weber determinou que, nos mesmos 30 dias, "seja dada ampla publicidade, em plataforma centralizada de acesso público, aos documentos encaminhados aos órgãos e entidades federais que embasaram as demandas e/ou resultaram na distribuição de recursos das emendas de relator". A publicidade abrange os recursos liberados em 2020 e 2021.

Para a ministra, o orçamento sigiloso viola princípios constitucionais: "Enquanto a disciplina normativa da execução das emendas individuais e de bancada (RP 6 e RP 7) orienta-se pelos postulados da transparência e da impessoalidade, o regramento pertinente às emendas do relator (RP 9) distancia-se desses ideais republicanos, tornando imperscrutável a identificação dos parlamentares requerentes e destinatários finais das despesas nelas previstas, em relação aos quais, por meio do identificador RP 9, recai o signo do mistério."

Nas palavras de Rosa Weber, "mostra-se em tudo incompatível com a forma republicana e o regime democrático de governo a validação de práticas institucionais por órgãos e entidades públicas que, estabelecidas à margem do direito e da lei, promovam o segredo injustificado sobre os atos pertinentes à arrecadação de receitas, efetuação de despesas e destinação de recursos financeiros, com evidente prejuízo do acesso da população em geral e das entidades de controle social aos meios e instrumentos necessários ao acompanhamento e à fiscalização da gestão financeira do Estado."

Além de subverter o esquema financeiro que impulsiona o apoio congressual da gestão Bolsonaro, o detergente da luz solar fragiliza a camarilha do centrão e seu principal líder, o presidente da Câmara Arthur Lira. É na porta do gabinete de Lira que se forma a fila invisível que conduz às emendas secretas. A transparência dissolve os poderes do mandachuva das acrobacias orçamentárias.

Por Josias de Souza

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