sexta-feira, 12 de novembro de 2021

Lira diz estar disposto a informar tudo sobre as emendas, menos o essencial


Arthur Lira e Jair Bolsonaro: as emendas do relator garantem o poder de
um e serviram para segurar o cargo do outro 
Imagem: Paulo Valadares/CD

Como já afirmei aqui, os recursos das chamadas "emendas do relator" não vão desaparecer. Terão alguma destinação. E o Supremo, como se sabe, manteve por 8 a 2 a liminar que suspende a execução dos recursos. O mérito ainda não foi votado. O tribunal não poderá dizer simplesmente: "Não há mais emendas do relator". Para que a ministra Rosa Weber se diga, então, pronta para levar a questão a julgamento, é preciso, entendo, que algo aconteça no Congresso. Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, já pôs para circular uma proposta de projeto de resolução que resolveria a questão. Será mesmo? Já volto ao ponto.

É preciso lembrar aqui os termos da liminar da Rosa, que conta, incluindo o seu, com oito votos. A ministra determinou a ampla transparência sobre a destinação dos recursos de 2020 e 2021 — e, por óbvio, assim será doravante. Não se tolera mais a ideia do segredo. E, com isso, concordaram não oito, mas nove ministros, inclusive Gilmar Mendes.

O ministro divergiu apenas quanto à manutenção da suspensão dos recursos. Afirma que isso acarretará prejuízos para obras e serviços em curso, especialmente na área de Saúde. Segundo a assessoria técnica da Câmara, quase a metade das emendas do relator empenhadas neste ano (R$ 4,6 bilhões) tem essa destinação. Mas Rosa não tratou apenas da transparência. A "equidade" e "eficácia" também estão na raiz da sua decisão.

Segundo informa a Folha, que teve acesso à proposta de Lira, há a disposição de aumentar, sim, a transparência da destinação das emendas, mas o relator-geral do Orçamento conservaria o poder de receber solicitações e encaminhá-las ao Executivo, comprometendo-se a publicá-las no site na Comissão Mista de Orçamento do Congresso. Atenção para o busílis: o nome do solicitante continuaria em sigilo.

Aí não dá. Aí Lira está quase clamando por uma derrota na votação de mérito. Afinal, estaria ignorando, a um só tempo, transparência e equidade.

O texto, elaborado sob o comando do presidente da Câmara, tenta se justificar:
"As indicações somente poderão ser feitas quando compatíveis com o plano plurianual e com a Lei de Diretrizes Orçamentárias, e estiverem de acordo com a política pública a ser atendida".
E ainda:
"Na fase de execução da lei orçamentária, o projeto que ora apresentamos amplia a transparência do processo de execução dessas emendas, definindo regras claras e objetivas para publicação das indicações a serem realizadas pelo relator-geral, bem como das solicitações de recursos que as tiverem fundamentado".

A redação fala a língua universal do "cascatês". Sem que se saiba quem fez a solicitação, o pressuposto da transparência não estará atendido.

O QUE LIRA QUER EVITAR?
O presidente da Câmara é político experiente. Ele comparece ao debate indagando se as pessoas preferem o ruim ou o pior. Reproduzo a sua indagação:
"Se houver uma reversão, para o RP2, por exemplo, que volta para o comando do Executivo, aí sim que nem a imprensa nem os deputados nem a população saberão da discricionariedade do Poder Executivo. Ele vai dar a quem ele quiser atender, com quanto ele quiser atender, quando quiser atender".

As emendas do relator são identificadas como "RP9". A identificação "RP2" designa emendas de bancadas estaduais, que estão entre as despesas discricionárias — e, com efeito, o governo teria maior comando sobre os recursos. Lira está tentando nos convencer de que, para o bem do Brasil, é melhor que ele mantenha superpoderes. Explico.

Ainda que tudo fosse revertido para o tal "RP2", por exemplo, e mesmo que isso aumentasse a discricionariedade do governo, uma coisa é certa: ele próprio deixaria de ser, como posso chamar?, o intermediário da liberação de recursos, não é mesmo? Como é notório, quem realmente controla as emendas do relator não é o relator, mas Lira.

Ao tentar nos convencer de que os bilhões das emendas do relator — neste ano, R$ 16,8 bilhões — são um instrumento a mais de atuação do Congresso, mal esconde a verdadeira intenção: quer manter o seu próprio poder discricionário de liberar fatias daquilo que passou a ser chamado de "Orçamento Secreto".

Uma pergunta simples desmonta a sua retórica: "Por que não identificar o nome de quem fez a solicitação?" Resposta: porque ficaria evidente que o governo usa as emendas, que o próprio Lira manipula, para ir às compras. É até provável que, sob o comando do governo, diminua a transparência de gastos, mas diminuiria também o poder do presidente da Câmara e o toma-lá-dá-cá.

A questão não se resume a saber a destinação da emenda. Também é preciso saber se o governo, em parceria com aliados no Congresso, usa dinheiro público para premiar a sujeição e punir a autonomia.

Por Reinaldo Azevedo

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