terça-feira, 14 de setembro de 2021

MP de casas para policiais é inconstitucional; veja por que é ação golpista


Presidente Jair Bolsonaro durante lançamento de programa habitacional para agentes de segurança.
O troço vem à luz na forma de uma Medida Provisória, o que é inconstitucional


Qual é o problema de o governo lançar uma linha de financiamento de casa própria para policiais? Feita a indagação dessa maneira, a resposta é uma só: nenhum! Dadas as características do que vem a público, incluindo a data, a resposta há de ser esta: há uma penca: seja no que se sabe do programa em si, seja na oportunidade política. Pior: o troço vem à luz por meio de mais uma Medida Provisória e prevê a apropriação, por categorias profissionais, de recursos que pertencem ao conjunto dos brasileiros. Inconstitucional e ilegal. Mas Bolsonaro quer jogar as polícias contra o Supremo e o Congresso. Vamos ver.

O presidente anuncia o programa seis dias depois de sua tentativa de golpe ter dado com os burros n'água. E as PMs estavam no centro da desordem que ele imaginou, o que ensejaria, então, apelos à ordem — à ordem militar. Lembrem-se de que ele chegou a anunciar em Brasília, no dia 7, a Convocação do Conselho da República. Apostou na convulsão social que não aconteceu. Não no dia 7. Mas e no futuro?

A aposta mais errada que se pode fazer é a de que o presidente já se conformou com a democracia e, mesmo na hipótese de uma derrota certa, vai aceitar o seu destino. O seu recuo, e seus porta-vozes informais no esgoto que se confunde com jornalismo o confirmam, é apenas tático. Mas precisa de operadores para isso.

É nesse ambiente que edita uma Medida Provisória -- o que é absurdo -- com o tal programa "Habite Seguro". Informa a própria Caixa Econômica Federal, que será o operador financeiro do programa:
"Em todo o país, integrantes do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), como policiais, bombeiros, agentes penitenciários e integrantes das guardas municipais contarão com subsídios e condições especiais para aquisição da casa própria".

O programa Casa Verde e Amarela, que substituiu o "Minha Casa Minha Vida", está empacado. Não obstante, o governo lança outro para essas categorias em particular — o que inclui os aposentados — que já não estão mais expostos a risco nenhum. Há, diga-se, outros profissionais contemplados que se submetem aos mesmos perigos, deixem-me ver, de um contador, por exemplo (talvez menos): peritos e papiloscopistas integrantes dos institutos oficiais de criminalística, medicina legal e identificação etc. O critério, como se vê, não é o risco. Miram-se corporações. De olho em 2022,

ABERRAÇÃO DAS ABERRAÇÕES
O programa contém a aberração das aberrações. A própria Caixa anuncia, cheia de orgulho:
"No primeiro ano, o aporte do FNSP ao Programa Habite Seguro é estimado em R$ 100 milhões, que serão destinados ao pagamento de parte do valor do imóvel e da tarifa de contratação do crédito imobiliário, sendo o valor definido de acordo com a renda do profissional".

Como é que é? Grana do Fundo Nacional de Segurança empregada para financiamento de programa de habitação?

Então vamos ver o que informa ao próprio Ministério da Justiça sobre o objetivo do Fundo Nacional de Segurança:
"O Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP), instituído no âmbito do Ministério da Justiça, tem o objetivo de apoiar projetos na área de segurança pública e prevenção à violência, enquadrados nas diretrizes do plano de segurança pública do Governo Federal.
Administrado por um Conselho Gestor, o FNSP apoia projetos na área de segurança pública destinados a reequipamento, treinamento e qualificação das polícias civis e militares, corpos de bombeiros militares e guardas municipais; sistemas de informações, de inteligência e investigação, bem como de estatísticas policiais; estruturação e modernização da polícia técnica e científica; programas de polícia comunitária e programas de prevenção ao delito e à violência, dentre outros."

Observem que esses recursos devem ser empregados em benefício da população, não dos policiais, por mais merecedores que sejam. É espantoso!

Segundo essa mesma lógica, os recursos do Fundo Nacional de Saúde poderiam sem empregados para construir casas para médicos e enfermeiros. E os do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação poderiam financiar moradias para os professores. Faz sentido?

Pedro Guimarães, presidente da CEF, um militante bolsonarista declarado e sem receios, afirma:
"É maravilhoso esse segmento [da Segurança] ter essa possibilidade, mas qualquer segmento, se qualquer Ministério tiver um fundo parecido [para bancar os subsídios], já está aprovado na Caixa Econômica Federal, até sob as mesmas regras".

Entenderam? Havendo fundos cujo sentido seja atender às necessidades da população, segundo o presidente da CEF, poderiam ser apropriados para construir casas para os servidores das respectivas áreas. É a cloaca do corporativismo. Fico a imaginar o que não estariam a dizer alguns pistoleiros do bolsonarismo, que se dizem "liberais", se o PT tivesse recorrido a uma expediente como esse para construir casas para os profissionais da educação, que tendem a ser mais próximos do partido, assim os da segurança constituem, em grande parte, a base bolsonarista.

Informa ainda a Caixa:
"As condições do Programa Habite Seguro estarão disponíveis a partir de 03/11 e os profissionais interessados em solicitar o crédito habitacional deverão comprovar o vínculo empregatício com um órgão de segurança pública. A CAIXA antecipa que disponibilizará orçamento de R$ 5 bilhões por ano para atendimento ao público-alvo, considerando as linhas de crédito ofertadas, com condições especiais conforme estratégia de convênios do banco."

O informe entusiasmado da CEF — e lembrem-se que Guimarães se insurgiu contra a Febreban porque esta se mostrava disposta a assinar um manifesto em favor do entendimento entre os Poderes — evidencia que o Estado brasileiro está aparelhado pelo bolsonarismo e que entes que deveriam ser independentes podem justificar qualquer coisa.

O QUE QUER BOLSONARO?
Bolsonaro poderia pedir que um deputado da base apresentasse um projeto de lei com esse conteúdo. Feito isso, ele daria seu endosso pessoal à tese. Mas não. Opta por uma Medida Provisória, sabendo que ela já viola, de cara, o Artigo 62 da Constituição, que exige que o expediente seja pautado pela "urgência e relevância". É evidente que "urgente", no sentido abordado pela Constituição, não é. Mais: a Alínea "d" do Inciso I do Parágrafo 1º veta que MP trate de "planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares".

A apropriação por categorias profissionais de um dinheiro que pertence ao conjunto dos brasileiros é, obviamente, ilegal.

O texto foi redigido na medida exata para jogar os policiais contra os Supremo caso seja declarada a inconstitucionalidade da MP ou contra o Congresso caso, na conversão obrigatória em projeto de lei, os benefícios meticulosamente pensados para a sua base não se confirmem.

Não temos um governo, o que se evidencia mais uma vez. O que há aí é um bando de arruaceiros dispostos a melar a regras do jogo.

Por Reinaldo Azevedo

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